Rio
O veterano cineasta Ryuichi Hiroki retornou dos EUA para seu
país em 1994, depois de receber uma bolsa de estudos nos Festival Sundance e
agora completa dez longas com Rio, em
cartaz na 36ª. Mostra de Cinema de São Paulo deste ano. É considerado um dos
mais criativos diretores do cinema japonês, no entanto, seus filmes são
inéditos no mercado comercial brasileiro. Lança mão de um tema escorregadio como a morte de um rapaz
em circunstâncias trágicas e o retorno da namorada três anos após para lamber
as feridas ainda abertas pela perda, com as lembranças que lhe atormentam e
promessas truncadas de realizações do casal, desfeitas pelo casuísmo acidental.
Tudo poderia indicar para um melodrama fácil e piegas, mas não acontece nada
disto.
A trama tem como protagonista Hikari (Misako Renbutsu- a
bela japonesinha de grande atuação) em busca de mais informações sobre a morte de
seu namorado Kenji, num massacre que ocorreu em Akihabara, um distrito
industrial de eletrônicos próximo de Tóquio. Já na cena inicial a linda jovem
se encosta próximo da porta do metrô, sob um silêncio respeitoso e eloquente,
sem trilha sonora ou som ambiental. Parte em busca de uma explicação para si
dos fatos nebulosos não superados, embora sem sentimento de culpa, sua
estabilidade emocional está em frangalhos, bem retratados num clímax de
perplexidade.
O diretor é inventivo e aproveita a trajetória da protagonista
para abordar subtemas interessantes e necessários que assolam o Japão, tais como:
prostituição, falta de emprego e invasão da privacidade. Começa com uma
repórter fotográfica invasiva que insiste em fazer imagens, atropelando os
princípios éticos e o respeito da dor de um momento particular de Hikari; ou da
garota que atua em filmes pornôs, em busca de uma carreira promissora; tem a
cantora que embala os transeuntes com canções sobre o amor e a vida da árvore e
sua origem; e as moças que distribuem folhetos de uma disfarçada cafeteria de
programas rápidos, numa flagrante prostituição à luz do dia.
Mas a grande sacada de Hiroki é o encontro com o rapaz de
rua que puxa carrinhos com eletrônicos para serem vendidos no mercado negro.
Perdeu os pais no tsunami de Fukushima e carrega o sentimento desesperado de
encontrar os corpos para sepultá-los. Há um conhecimento dele com o morto, o
que abre caminhos para uma interação com diálogos sobre a dura realidade entre
aqueles dois seres perdidos e sem uma visão do que querem realmente para o
futuro. O cineasta nasceu em Fukushima e ao colocar as cenas da
busca do órfão pelos pais nos escombros, fica evidente e torna-se reveladora
sua dor fundida no personagem, como se fosse um alter ego. São chocantes as
imagens da catástrofe inimaginável de carros, casas, prédios e postes
retorcidos como ferros velhos, ruas sem calçamento, esburacadas, sem luz e
água, restando apenas um cão como sobrevivente nas ruínas.
O filme é cortado da cena arrasadora e logo ingressa no
dolorido passeio de barco pelo rio pactuado antes do trágico desenlace de Kenji.
Mesmo como se estivesse ao lado de uma sombra, a promessa é resgatada para uma
alma que parece andar em círculos e divagando. O barco anda lentamente, surgem
luzes nos prédios enormes e o rosto de Hikari se contrai como uma massa em degelo. Sobra o
agradecimento e a demonstração de gratidão pelo que estivesse escondido em seu
interior uma outra mulher.
Rio é um longa que
se insere como uma reflexão sobre a morte prematura e os sentimentos que latejam
na alma para evitar o soçobramento de uma criatura sensível que busca a
desconstrução traumática da perda. Lança um olhar de dor e inconformismo com o
fenômeno arrasador da natureza que comoveu o mundo com a destruição implacável
de uma cidade. E aborda temas presentes como prostituição e desemprego, este
bom drama que surpreende e atinge seus propósitos em decorrência de méritos
inegáveis.
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