Na Sua Ausência
Surge um candidato forte ao melhor filme da 36ª. Mostra de
Cinema de São Paulo deste ano, o magnífico longa-metragem francês Na Sua Ausência, dirigido pela outrora
ótima atriz e agora estreando atrás das câmeras Sandrine Bonnaire. Mostra-se
uma diretora competente e seu primeiro filme já dá sinais de ser plenamente
autoral.
A trama começa com Jacques (William Hurt- de desempenho
exemplar) retornando dos EUA para a França, depois de dez anos de ausência de
seu país natal, para cuidar do funeral de seu pai, que estava separado de sua
mãe, uma americana que vivia com ele na América do Norte. Deixara seu país após
a morte e seu filho de apenas sete anos, decorrente de um acidente de carro. Ao
retornar encontra a ex-mulher Mado (Alexandra Lamy) já casada e com um filho da
mesma idade do morto, de aspecto feliz e aparenta ter esquecido o passado
trágico. Bonnaire mostra o tenso e comovente reencontro de Mado com
Jacques, onde as aparências do passado surgem e se confundem com um presente
fragilizado pelos fantasmas que querem retornar. O retorno à casa da ex-mulher
e sua instalação secreta no porão é o começo da degradação e do desespero que
irá ir ao encontro da família hostilizada pelo passado.
O longa mostra uma tentativa desesperada de reaproximação
com o filho de Mado. Tudo é feito por Jacques para resgatar e recriar a relação
existente entre pai e filho até o fato trágico. A culpa e o sentimento que
assolam aquele pai transtornado, em vias de perder a estabilidade emocional,
são bem retratados pela diretora e atinge um clímax de alta tensão, embalados
pela adequada e bela trilha sonora. A cineasta lança mão de um expediente perigoso, mas acaba
por se dar muito bem, ao desenvolver com dramaticidade em alta tensão a morte
de uma criança inocente e jogar a culpa aparente para que o pai assuma
inteiramente, levando até as últimas consequências, inclusive desfazendo-se de
seu patrimônio para tentar beneficiar um terceiro e apagar de sua consciência aquele
sentimento latejante e dolorido da culpa que o corrói.
Este é um tema frequente no cinema, mas o filme mais
contundente dos últimos anos é o extraordinário Anticristo (2009), de Lars Von Trier, abordando um casal devastado
com morte do único filho muda-se para uma casa no meio da floresta para superar
o episódio, tentando supera a dor do luto e o desespero da mãe, desencadeia-se
uma gama de acontecimentos misteriosos e assustadores. Na Sua Ausência é
um filme que já se insere como um grande observador pela reflexão da culpa
vista como excesso e do sentimento que lateja na alma do suposto culpado que
começa a perder a lucidez e a afundar-se num terrível destroçamento humano e a desconstituição
de uma pessoa traumatizada pela perda.
O filme é uma sequência de desatinos da sedução e
em busca de uma paternidade construída pela fobia da morte. Ao mostrar a
distorção comportamental de um protagonista em total decomposição, como um
farrapo humano, a diretora lança um olhar de compaixão ao perdoá-lo no epílogo,
dando um rumo de destino duro, mas dentro de uma realidade verossímil, através
da ação enérgica de atitude do outro pai vitimizado pelo contexto e do
imbróglio de circunstâncias alheias aspiradas. Um longa de personagens fortes
em sua construção, embora fragilizados pelas circunstâncias que dão
consistência para este fabuloso suspense psicológico familiar.
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