Amor e Perdas
Os filmes anteriores da diretora Sandra Nettelbeck são marcantes
na abordagem sobre as relações humanas com viés da doença, da morte e os
opostos que se atraem. Assim foi em Simplesmente Martha (2001) e As Faces de Helen (2009). No longa de estreia, há uma grande
mudança na vida da protagonista com o fim trágico da irmã e o surgimento de um
extrovertido cozinheiro que traz um pouco de alegria para ela e a sobrinha
órfã. Na segunda realização, uma mulher bem-sucedida, feliz no casamento e com a
filha, terá sérios problemas de relacionamento diante da constatação da
bipolaridade, que emergirá como um surto transformador na maneira de enxergar a
vida e sua beleza.
O Último Amor de Mr. Morgan traz novamente os temas apreciados por Nettelbeck, que adaptou o
roteiro para o cinema do romance La Douceur Assassine , da atriz e escritora parisiense Françoise
Dorner, construindo esta importante comédia dramática, ao retratar Matthew
Morgan (Michael Caine- impecável na interpretação), um octogenário professor de
filosofia que perde a mulher (Jane Alexander) há três anos e mantém um segredo
sobre sua morte e o longo período da convalescença. Embora residente em Paris
há muitos anos, não é um bom conhecedor da língua local, sempre esteve à sombra
da esposa como intérprete para se comunicar.
A partir do evento da perda, irá se deflagrar um cenário
melancólico, que levaria o protagonista para uma existência solitária e depressiva,
já desinteressada pela continuação da vida, até o encontro casual no ônibus com
a simpática jovem instrutora de dança de salão Pauline (Clémence Poésy). São
duas pessoas fragilizadas pela solidão, a falta de amor, tristeza pela ausência
dos filhos distantes e a tentativa de suicídio, que estão bem presentes nos
passeios da dupla improvável de almas destruídas para construir um elo forte de
convivência, como visto em Uma Estranha Amizade
(2012), de Sean Baker, na qual havia uma relação inusitada de amizade entre uma
garota de 21 anos com uma viúva de 85 anos e na improbabilidade para estreitar
os laços afetivos distantes e decorrentes da abissal lacuna das diferenças de
gerações, mas que as circunstâncias deixam aflorar na trajetória das duas
mulheres, bem demonstrado na cena do cemitério e na grande revelação que vem do
túmulo.
O vínculo entre marido e mulher que permanece após a morte é
o mesmo existente no magnífico mergulho crepuscular na vida um casal de
professores idosos aposentados da música, que vive apaixonado por mais de
cincoenta anos em Paris e depara-se com a doença terminal em Amor (2012), de Michael Haneke, com a
visão da paixão transcendental na defesa da eternidade, bem como há similitude
das visitas esporádicas da fria, egoísta e pouco participativa filha, com a
aparição dos interesseiros filhos de Morgan. Ou também no recente drama
vigoroso Vic+Flo Viram Um Urso (2013),
do canadense Denis Côté e sua estética de filmar reveladora de um passado
impiedoso e um futuro eterno das mulheres apaixonadas num desfecho
surpreendente.
A narrativa de O Último Amor de Mr. Morgan tem consistência na sensível e delicada situação harmoniosa dos
sentimentos até sua metade, porém perde força na parte final, com a entrada
desconexa dos filhos do idoso quando entram em cena. A trama perde fôlego
quando a realizadora tenta acomodar de forma abrupta um relacionamento
previsível e abastecido pela obviedade imposta por um roteiro que se fragiliza,
embora bem alicerçado por uma instigante trilha sonora. Mesmo perdendo contundência
dramática por pecar no encaminhamento do epílogo que nada acrescenta no
desfecho, não chega a invalidar no todo e seus bons temas para serem melhor
desenvolvidos, pois acrescenta interessantes subsídios nas relações humanas e o
grande amor existente no centro da história.
Em Amor havia a
dor dilacerante que cortava e mexia com o espectador e suas emoções, mesmo sem
ser de grandiloquência, mas que se estendia silenciosamente pelas dependências
do apartamento. A ausência da trilha sonora dava um clímax de melancolia,
apenas entrecortado pela bela cena do jovem ex-aluno que tocava piano para sua
professora, como se estivesse a homenagear a música e a vida. Porém, em O Último Amor de Mr. Morgan, a diretora apresenta a jovem e o viúvo tornando-se bons amigos,
falando do passado distante e a garota é vista pelas boas passagens da esposa;
assim como ele traz para a menina as lembranças do velho pai falecido como um
substituto, sem arroubos ou manifestações esperançosas do cotidiano e a grande
paixão do passado se mostrasse indissolúvel diante de um olhar sombrio e implacável
pelo tempo.
Temas como a morte, solidão, doença e velhice foram
exploradas com méritos inegáveis pelo genial Ingmar Bergman em Morangos Silvestres (1957) e na incomparável e
inigualável obra-prima Gritos e Sussurros
(1972); ou ainda em Viver (1952), de
Akira Kurosawa, mas no terceiro longa de Nettelbeck há um naturalismo exposto de
pouca profundidade na decadência humana exposta com pouca intensidade, embora bergmaniano na abordagem proposta, tem
na forma algumas sutilezas e em nada comparável com a estética criativa e
metafórica dos mestres inspiradores. Invoca uma reflexão rasa sobre a perda e a
finitude sobre os vínculos afetivos de um grande amor e uma ternura na linda amizade
a dois com apreciável dose de lucidez, mas sem ser definitivo nas emoções
existenciais sobre o fim do ser humano.
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