A Leveza da Morte
Considerado um dos maiores mestres do cinema de todos os
tempos, o longevo diretor Alain Resnais, morto em março deste ano, aos 91 anos,
deixou um legado histórico e significativo para a sétima arte, com obras abrangentes
e muitas reflexões com críticas ácidas à sociedade hipócrita francesa. Sua
despedida se deu em alto nível e novamente apronta positivamente com Amar, Beber e Cantar, um drama de
sutilezas e recheado de cores e matizes diferentes, numa narrativa leve e ao
mesmo tempo profunda sobre a morte que se aproxima, como uma premonição do fim
que aguardava o cineasta, tal qual na trama em que o personagem George tem seis
meses de vida.
No longa anterior Vocês
Ainda Não Viram Nada!, fundiu-se teatro e cinema para realizar o último
desejo de um famoso dramaturgo que morreu de repente e deixa uma mensagem num
vídeo convidando seus melhores amigos para remontar livremente, em quatro atos,
a peça Eurídice, escrita por Jean
Anouilh, e o relacionamento conturbado com seu amante Orfeu. A proposta
inusitada é transmitida pelo mordomo aos atores que atuaram nas duas versões
anteriores, logo que chegaram na suntuosa mansão para participarem do funeral,
porém este já acontecera.
Outra vez há uma homenagem ao teatro como prova da estima do
veterano diretor por essa arte, bem como tem na morte o foco. Inova e teatraliza
o próprio teatro e traz para o cinema, dentro do seu apreciável formalismo um
universo colorido por uma deslumbrante fotografia, requintada pela cenografia teatral,
sendo utilizados bonitos desenhos do casario, ao trocar a cena como uma elipse
criativa e que dá brilho aos olhos. A câmera desliza como se flutuasse pelas
ruas do antigo vilarejo inglês de uma arquitetura magnífica, dando uma
panorâmica criativa num belo plano sequencial. Surgem os créditos com letras
vermelhas numa grafia simples dentro de um retângulo preto, para contrastar com
as lindas imagens lançadas no contraplano.
Com um elenco homogêneo e convincente no desempenho dos três
casais com a vida conjugal em risco: Kathryn (Sabine Azéma) e Colin (Hippolyte
Girardot); Tamara (Caroline Silhol) e Jack (Michel Vuillermoz); Monica (Sandrine
Kiberlain) e Simeon (André Dussollier). Numa narrativa bem construída, com uma
dosagem de humor leve, a trama inventiva funciona como um jogo de xadrez, em
que são manipuladas as diversas situações que darão solução para os casais em
cena, que representam o grupo de teatro amador ensaiando uma nova peça, quando surge
a triste notícia da doença terminal de seis meses de vida para George que irá
abalar a todos. As mulheres relembram a antiga paixão pelo mulherengo colega,
próximo do fim da existência. Os homens pensam no amigo que irá partir para
sempre e numa justa homenagem de despedida, como convidá-lo para a
derradeira interpretação de um dos personagens. Dentro do contexto serão revelados
segredos relacionados ao passado de todos e o envolvimento emocional
interligado com o amigo doente que nunca é visualizado nas cenas.
Resnais deixa em seu legado a prova nesta obra derradeira,
que o teatro pode ser inserido na linguagem do cinema, numa ironia mesclada com
um humor sutil como marcas registradas do cineasta francês, como visto recentemente
no notável Medos Privados em Lugares Públicos
(2006) e em Ervas Daninhas (2009),
este um pouco abaixo da expectativa. A carreira do velho mestre é brilhante e
tem em sua filmografia os ótimos Amores
Parisienses (1997) e Beijo na Boca,
Não (2003), bem como as obras-primas Hiroshima,
Meu Amor (1959) e O Ano Passado em
Marienbad (1961). Seu talento é inerente aos diretores decanos do cinema,
como o português Manoel Oliveira, com mais de 105 anos, esbanjando lucidez no
atual O Gebo e a Sombra (2012).
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