sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O Mercado de Notícias


Jornalismo em Xeque

O diretor gaúcho Jorge Furtado lança dúvidas e debate o futuro do jornalismo ao colocar novas luzes sobre a polêmica do fim do jornal impresso, a evolução da internet, a ética e os interesses econômicos das grandes companhias jornalísticas. Buscou na imprensa vários profissionais renomados como Jânio de Freitas (Folha de São Paulo), Cristiana Lôbo, Geneton Moraes Neto e Renata Lo Prete (Globo News), Luis Nassif (On-line), Mino Carta (Carta Capital), Bob Fernandes (Terra e TV Gazeta), José Roberto Toledo (Estado de São Paulo), Paulo Moreira Leite (Isto É), entre tantos para extrair o substrato de cada entrevistado no filme, que fixa como ponto culminante o papel da mídia e sua influência na democracia com os avanços e retrocessos das notícias do dia a dia.

Em seu longa anterior, Saneamento Básico (2007), havia uma filme dentro de outro para demonstrar a forma dos moradores reunidos e que seria estrelado por um mostro que vive nas obras de construção de uma fossa; mas em Ilha das Flores (1989), um curta-metragem do gênero documentário, trabalho mais famoso do realizador, trazia imagens de várias origens para ilustrar e demonstrar os aspectos da miséria humana e a perda da dignidade nas cenas de crianças brincando e comendo com os porcos e adultos no lixão da reciclagem. Eram circunstâncias externas e linhas paralelas que davam suporte para esclarecer o ponto de vista enfocado com grande virtude pelo diretor na abordagem do tema que lhe rendeu vários prêmios e reconhecimento nacional como projeção. Já em O Homem que Copiava (2003), a narrativa ficcional contrastava a inverdade com o real, numa mescla um tanto vazia de um jovem que trabalha numa fotocopiadora e tem uma vida comum, se apaixona pela vizinha, a qual passa a observar com um binóculo em seu quarto, tentará obter dinheiro de maneira fantasiosa.

O Mercado de Notícias é um documentário mesclado com teatro, convence por ser bem conduzido por Furtado, responsável também pelo roteiro que permeia os relatos com atos da peça cômica homônima do dramaturgo inglês Ben Jonson (1573-1637), um cultor da sátira irreverente, foi um dos primeiros jornalistas a investigar e levar ao público temas que não eram do conhecimento dos primeiros leitores de jornais. É uma típica viagem no tempo desde o surgimento da imprensa, no século XVII, até os dias de hoje, em que a voracidade para informar é cada vez maior, às vezes atropela os princípios básicos do jornalismo, como ouvir os dois lados, causando injustiça e destruição como no rumoroso caso das falsidades divulgadas sobre a Escola Base de São Paulo, em que prevalece a mentira sobrepondo-se ao desmentido da matéria que mereceu uma pequena nota de rodapé. Outro fato relatado com contundência por um entrevistado se refere a história relacionada de uma reprodução singela de um quadro de Pablo Picasso, apontada por um jornal como obra original e guardado numa repartição pública em troca de uma dívida do governo, o interlocutor descobre e reclama asperamente como um contribuinte lesado.

O cineasta começa seu filme apresentando os atores da peça aos espectadores, entre os quais: Zé Adão Barbosa, Elisa Volpatto e Nelson Diniz, na qual irá construir um painel sobre as verdades e mentiras. Já no prólogo há o universo das situações fáticas e o futuro da imprensa como um poder sempre preponderante para o fortalecimento democrático das instituições. Além da versão livre da montagem, inova e transforma o documentário com boas e reveladoras entrevistas de jornalistas atuantes de jornais, sites e de televisão. Uma mescla que irá render frutos para um debate simples e direto, passando primeiro pelo ensaio, depois a encenação e finalmente os diversos depoimentos sinceros sobre a atividade tão criticada pelo dramaturgo no século XV, em que se iniciou propriamente dito o papel da mídia e sua influência como força de representação da sociedade.

O filme é bem construído dentro de duas estruturas divididas em criativos capítulos que irão formatar sua origem: documentário e ato que irão interagir com a plateia, afasta-se do maniqueísmo, busca uma crítica ácida aos meios de comunicação e a dependência econômica, principalmente com o dinheiro público e sua influência para tentar afastar a crítica, numa reflexão sobre as consequências das engrenagens quando há manipulação. Embora alguns profissionais se declarem isentos, afirmando não saberem quem patrocinam seus espaços, fica evidente por outro lado que o autor da matéria sofre influência implícita ou até explícita, como declara um entrevistado: jornalista é empregado.

Furtado debate a essência do jornalismo e suas origens, como a busca da verdade onde aconteceram os fatos e as fontes fidedignas e seus interesses na publicação da matéria, bem como a obrigação desta escolha. A necessidade clara e convicta de encontrar a novidade, de revelar novas histórias com equilíbrio no desejo urgente de soltar a matéria, passando pelo crivo traumático de ferir a suscetibilidade do empregador que tem interesse econômico para sobreviver. Nas entrelinhas do documentário está a dúvida do profissional sério e ético com os equívocos que poderão render dissabores enormes, faz-se a defesa da retidão, embora esteja presente a ausência da neutralidade, porém manter-se imparcial na notícia soa como um salvo-conduto cada vez mais distante da sombria realidade de tempos fustigados pelo dinheiro, como encenado pelos personagens Expectativa, Censura, Tagarela, Prazeres e Pecúnia.

A proposta de O Mercado de Notícias é interessante e peca por não avançar mais na crítica à mídia televisiva de baixo nível intelectual e informativo, mas não invalida a obra, a melhor desde Ilha das Flores. O filme tem bons momentos de manifestações equilibradas e de bom censo. Deixa um certo pessimismo no ar sobre o futuro da imprensa escrita e seriamente ameaçada de desaparecer, diante do surgimento da era virtual e sua fúria informativa com erros crassos e um vazio de intelecto pelas omissões frequentes, pelos atropelos sob o prisma da ânsia de informar está bem sustentado pelo perigo que poderá representar os novos meios de comunicação. O debate através deste documentário tem uma boa dose de contribuição histórica num contexto perverso.

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