segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa


Sem Destino

Depois de sete curtas-metragens, entre eles Danae (2004) e Uma Noite com Ela (2005), o diretor brasiliense Gustavo Galvão estreou em longas com Nove Crônicas para um Coração aos Berros (2012), marcado por episódios num mosaico de relações humanas e situações cotidianas, diante da intensa necessidade da reinvenção. Com um orçamento de R$700 mil, foi realizado o segundo longa-metragem, Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa, a partir de um título extraído do poeta americano Allen Ginsberg, conhecido pelo seu livro de poesia Howl da geração beat, o cineasta desenvolve a história pontilhada pela ansiedade de um rapaz fugitivo de si mesmo e das coisas que deixou para trás em Brasília, para sorver a emoção da estrada e suas incertezas diárias na vida.

A trama tem dois angustiados e irrequietos personagens oriundos de Brasília, com propósitos diferentes encontram-se por acaso numa lanchonete de beira de estrada. O sonhador e apático Pedro (Vinícius Ferreira) que foge da namorada e de algo obscuro pouco definido que o incomoda em sua cidade, na qual há os problemas inerentes da capital brasileira e seus excessos políticos de tramoias requintadas, tenta apagar os vínculos do passado ao pegar o asfalto. Vai buscar um oposto, que nem ele sabe o que é realmente, dentro de uma atmosfera libertária, conhecerá o transmudado Lucas (Marat Descartes), em que este convida-o com seu humor cáustico para acompanhá-lo com as duas garotas disponíveis, mas com a negativa há um constrangimento que acaba por sacramentar a posteriori um vínculo estreito entre os dois.

A dupla de jovens, na faixa dos 30 anos, leva apenas a roupa do corpo, em nada tem a perder, quer mesmo descobrir o interior do Brasil, embora houvesse uma intenção inicial de ir até Pernambuco, acaba mesmo percorrendo o trajeto de Goiás a Minas Gerais. Os rapazes passam por Ouro Preto de opulência barroca, cruzam por Uberaba, Montes Claros e Lavras, acompanhados pela intensidade frenética da trilha sonora, reflexo de um estado anímico dos personagens com seus psicológicos embalados pela adrenalina pura da viagem sem rumo no roteiro de Bernardo Scartezini, Cristiane Oliveira e do próprio diretor.

O drama é um retrato de dois brasilienses que querem discutir as situações locais e nacionais, mas numa narrativa típica dentro de um contexto de um cinema road movie, visto recentemente no irregular A Última Estrada da Praia (2011), do gaúcho Fabiano Souza ou no instigante Na Estrada (2012), de Walter Salles, na transposição do best-seller de Jack Kerouac On The Road, de 1957, levado pela primeira vez às telas do cinema. Galvão tenta fugir do convencional, mas esbarra no panfletário discurso da liberalidade e de discutíveis conexões com um traficante paraguaio (Leonardo Medeiros), sem aprofundar-se na causa e nos efeitos e as consequências nefastas, bem como na aflita mulher (Maria Manoella) em processo de separação e atrás dos filhos raptados pelo ex-marido. Embora haja o reconhecimento do realizador no trabalho de um cinema independe, há evidentes traços repetitivos de uma mesmice da busca do nada.

Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa está inserido num contexto que cultua a individualidade em detrimento do coletivo, mas afasta-se da abordagem de temas mais polêmicos, compartilha situações paradoxais que transitam do cômico para o trágico, ao tentar superar angústias de outrora com um futuro sem objetivo, mas dentro de uma transformação da dupla que ruma para buscar muita aventura, sem um percurso definido, deixando a vida passar sem nenhuma pressa ou objetivo, que não seja beber e fumar. Uma viagem improvável de rumos irrefreados a cada parada, sem um norte, ou apenas tendo como lema a inspiração para estar bem longe de uma Brasília recheada de leis e normas.

O filme é a busca voraz e sem um regramento de preocupação com ditames sociais estabelecidos por uma sociedade rejeitada. Embora esteja distante de manter o clímax narrativo esperado, há a proposta de libertar as amarras das facilidades, parte para a ruptura propriamente dita de pessoas perdidas que não querem permanecer no mundo civilizatório, mesmo sem ter consistência de uma estrutura sólida construtiva de personagens, deixa se levar pelo imaginário e a formação de vidas conflitadas com seus destinos pelo modus operandis sem nexos existenciais profundos, com diálogos substituídos pelo silêncio à procura de um sentido abstrato e efêmero, pouco eficiente e vazio na essência.

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