terça-feira, 30 de setembro de 2014

O Último Concerto


Conflito nos Bastidores

Yaron Zilberman tinha em sua filmografia o documentário Watermarks (2004), até realizar em 2012 O Último Concerto, primeiro filme de ficção do cineasta, com destaque no conceituado Festival de Toronto. Embora autor da ideia original, deixou para Seth Grossman desenvolver e assinar o turbulento roteiro de quatro astros do violino, filme que aborda o quarteto de cordas Fulguet, famoso internacionalmente pela qualidade da apresentação impecável de seus integrantes. A trama é bem complexa e o prólogo prenuncia o epílogo sobre a triste notícia de que um de seus integrantes, Peter Mitchell (Christopher Walken), acabara de ser diagnosticado com Mal de Parkinson, colocando em risco iminente o futuro do grupo que irá preparar uma última apresentação apoteótica.

Após o desenlace do trauma inicial, o filme trará à tona os amores e desafetos criados entre eles nestes longos 25 anos de parceria próximo da implosão. Alain Resnais foi singular em Amar, Beber e Cantar (2013), um drama com algumas similitudes sobre a morte que se aproxima de um colega de um grupo teatral, quando surge a informação da doença terminal de seis meses de vida. As mulheres relembram a antiga paixão pelo mulherengo colega; os homens pensam no amigo que irá partir para sempre e numa justa homenagem de despedida, como convidá-lo para a derradeira interpretação de um dos personagens. Dustin Hoffmann também realizou o drama O Quarteto (2012), no qual três músicos aposentados vivem numa casa de repouso da categoria e todos os anos realizam um concerto para recolher fundos que permitem a sobrevivência da instituição. Com a chegada da nova habitante que recusa-se a cantar, cria-se um clima de hostilidade e lavagem de roupa suja, trazendo à baila para questionamento as amizades e os amores de outrora na tentativa de convencê-la.

Zilberman escapa das armadilhas melodramáticas e não deixa descambar para a pieguice barata, com um retrato fiel de convivência de muitos anos e as consequência iminentes que trarão para o grupo, como os conflitos pessoais bem centrados no casal em crise de relacionamento: Juliette (Catherine Keener) e Robert (Philip Seymour Hoffman- em uma de suas últimas atuações, viria falecer em fevereiro deste ano). O músico ainda teria uma rixa pessoal com Daniel (Mark Ivanir), logo travam um duelo de egos que estremece as relações amistosas e mínimas de convivência para definir sobre quem será no futuro o primeiro e o segundo violinista, numa típica fogueira de vaidades. Além das brigas e ciumeiras do casal, o evento da doença grave, a trama esquenta ainda mais quando explode uma situação inusitada advinda da filha deles (Imogen Poots) com um integrante do grupo.

Diante da ameaça de término do quarteto por brigas, traições, ciúmes e crises existenciais nas relações afetivas, há uma dose de intensos conflitos pessoais, como da filha que pede socorro, mas leva uma bofetada no rosto, ao questionar a mãe sobre sua a ausência de sete meses no ano, bem como do pai, deixando-a desprotegida e abandonada como ser humano. Chega afirmar que o aborto teria sido uma solução melhor para todos. O diretor se aproxima mais de Hoffman na essência e na maneira de conduzir a trama, bem distante do mestre Resnais, este sim um artesão inovador e estupendo pela estética apurada com consistência e rigor no equilíbrio cênico. Porém, segura bem o clímax e mantém um ritmo crescente com personagens bem construídos, mas que por vezes tornam-se previsíveis nas soluções simples e temporais do drama, que apresenta artistas imbuídos em manter a arte acima de tudo, superando todas as diferenças e as picuinhas particulares entre eles, para uma causa maior que é a manutenção do grupo filarmônico.

O Último Concerto parte de uma narrativa clássica bem arquitetada, com uma dosagem razoável de dramaticidade, numa conjuntura elaborada distante de arroubos e inventividades, mas que funciona pela forma até simples diante das manipulações das diversas situações que darão solução para os casais em cena, bem auxiliado pela música clássica de Beethoven como fio condutor na notável Opus 131 String Quartet in C# Minor, interpretado com sintonia e um sabor edificante para os ouvidos mais atentos. Contrasta com o sabor amargo de melancolia da perda que se avizinha, sendo reforçado pela fotografia exemplar de Frederick Elmes. O realizador não deixa muito tempo para reflexão, talvez esteja aí um dos poucos equívocos, pois o filme acelera e os conflitos aflitivos se sobrepõem aos prazeres dos encantos da melodia. Há um contexto de envolvimentos emocionais interligados por uma boa atmosfera deste promissor cineasta desta significativa obra de cinema sobre a música, perdas e os bastidores conflitados.

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