Buscas do Passado
O Chile vem fazendo bons filmes e se destacando no cenário
internacional, sendo A Culpa é do Fidel
(2006), de Julie Gavras, seu melhor cartão postal e referência nacional, bem
como o magnífico Machuca (2004), de
Andrés Wood. Tem ainda dos últimos anos boas realizações, tais como: Na Cama (2005), de Matías Bize; Tony Manero (2008), de Pablo Larraín; Ilusões Óticas (2009), de Cristián
Jiménez; A Criada (2009), de
Sebastián Silva; Nostalgia da Luz
(2010), de Patricio Guzmán; Os Mistérios de Lisboa
(2010), de Raoul Ruiz, morto recentemente e Dawson-
Ilha 10, de Miguel Littin, que dirigiu um dos maiores filmes de seu país El Chacal de Nahueltoro (1969), abordando
o assassinato de uma mulher e seus cinco filhos por um alcoólatra incivilizado
e analfabeto. É um cinema com propósitos de uma indústria claramente voltada
para a arte na essência. Segue de perto as produções do Uruguai e da Argentina,
embora tenha muito que aprender ainda com os argentinos, este sem dúvida o
melhor da América do Sul e um dos melhores do mundo.
A Vida dos Peixes
é uma produção chilena em coprodução com a França, tendo na direção Matías Bize
em seu quarto longa e Na Cama é o
mais conhecido no Brasil. Esta sua última realização é de 2010 e recebeu o
prêmio Goya de melhor filme hispano-americano e foi o escolhido para
representar o Chile no Oscar de 2011 como melhor filme estrangeiro, mas
conquistado pelo o argentino O Segredo de
Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella. Foi o terceiro filme chileno
que obteve o Goya, depois de La Frontera (1991), de
Ricardo Larraín e A Boa-Vida (2009),
de Andrés Wood.
A trama é uma volta às origens com as reminiscências de um
passado de 10 anos, quando o jornalista Andrés (Santiago Cabrera) foi embora
para Berlim trabalhar numa revista de turismo, decide retornar ao Chile uma
década depois, a convite de um amigo para ir numa festa de aniversário, mas lá
encontra Beatriz (Blanca Lewin), seu grande amor do passado que terminou mal
resolvido e o faz confrontar e reavaliar sua vida, além de algumas pendências que
ficaram pouco esclarecidas. Na festa do antigo amigo sente que tem pouco em
comum com o mundo que deixou para trás e o reencontro com colegas de infância é
gélido.
O mote principal do drama é o reencontro com a ex-amada,
embora os amigos sejam secundários, muitas circunstancias voltam a aflorar e as
recordações vão desfilando na sua mente. Andrés circula no ambiente
aparentemente festivo como se fosse um fantasma entre seres vivos
intergaláticos, dentro de um silêncio sinistro e pessimista de um futuro
incerto. As pessoas o encontram casualmente e as velhas amizades vão ao
encontro daquela criatura angustiada e dolorida, que volta a seu país depois de
uma turbulência política implícita superada.
A paz parece reinar entre os convivas animados, menos para
Andrés, um legítimo peixe fora d’água, na sua busca de soluções para aparar
arestas deixadas pendentes. Uma delas é a cena reveladora do encontro com a mãe
do amigo Francisco que se suicidou, já antecipado pela garota alcoolizada que
faz questão em gizar sobre a repercussão do fato e da presença de Andrés no dia
trágico. A genitora da vítima, ao falar das coisas do quarto que permanecem impecavelmente
arrumadas parecem lhe esperar do retorno, não esconde a mágoa da perda dentro
de um sorriso mordaz e irônico, como se o questionasse e o incriminasse por ter
sido supostamente ausente e omisso. Já o irmão de Francisco é menos viril e o
deixa à vontade para relembrar os bons tempos que não voltam mais ou escapam
por uma culpa involuntária de desejos e atitudes tomadas sem emoções,
transparecendo o racional na escolha.
Deve ser ressaltada a cena final comovente com a dignificante
interpretação da atriz Blanca Lewin como a namorada descartada, refletindo as
dores e insatisfações de seu presente infeliz, demonstrando com sutileza e
sensibilidade num bem elaborado longo plano-sequência toda sua derrocada,
atingindo no âmago daquela criatura que busca a reconciliação, embora haja toda
uma complexidade para ser superada. Deixar o final em aberto sugere uma direção
segura de Bize, tendo na trilha sonora funcionando como um verdadeiro espasmo
de um clímax melancólico, onde a bonita fotografia está adequada num cenário de
uma luz como se fosse um lusco-fusco em harmonia.
Eis um belo filme sobre as tragédias pessoais traídas pelo
destino ou impulsionadas por um momento em suas vidas, onde as decisões
manifestam equívocos apressados, mas a angústia e a dor marcam com contundência.
Enquanto isto os peixes flutuam no aquário numa demonstração alegórica de suas
vidas tranquilas, pois nadam e não chegam a lugar nenhum e o protagonista tenta
resgatar a essência da vida nas reflexões e emoções das lembranças conflitadas.
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