quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Vida dos Peixes

















Buscas do Passado

O Chile vem fazendo bons filmes e se destacando no cenário internacional, sendo A Culpa é do Fidel (2006), de Julie Gavras, seu melhor cartão postal e referência nacional, bem como o magnífico Machuca (2004), de Andrés Wood. Tem ainda dos últimos anos boas realizações, tais como: Na Cama (2005), de Matías Bize; Tony Manero (2008), de Pablo Larraín; Ilusões Óticas (2009), de Cristián Jiménez; A Criada (2009), de Sebastián Silva; Nostalgia da Luz (2010), de Patricio Guzmán; Os Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul Ruiz, morto recentemente e Dawson- Ilha 10, de Miguel Littin, que dirigiu um dos maiores filmes de seu país El Chacal de Nahueltoro (1969), abordando o assassinato de uma mulher e seus cinco filhos por um alcoólatra incivilizado e analfabeto. É um cinema com propósitos de uma indústria claramente voltada para a arte na essência. Segue de perto as produções do Uruguai e da Argentina, embora tenha muito que aprender ainda com os argentinos, este sem dúvida o melhor da América do Sul e um dos melhores do mundo.

A Vida dos Peixes é uma produção chilena em coprodução com a França, tendo na direção Matías Bize em seu quarto longa e Na Cama é o mais conhecido no Brasil. Esta sua última realização é de 2010 e recebeu o prêmio Goya de melhor filme hispano-americano e foi o escolhido para representar o Chile no Oscar de 2011 como melhor filme estrangeiro, mas conquistado pelo o argentino O Segredo de Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella. Foi o terceiro filme chileno que obteve o Goya, depois de La Frontera (1991), de Ricardo Larraín e A Boa-Vida (2009), de Andrés Wood.

A trama é uma volta às origens com as reminiscências de um passado de 10 anos, quando o jornalista Andrés (Santiago Cabrera) foi embora para Berlim trabalhar numa revista de turismo, decide retornar ao Chile uma década depois, a convite de um amigo para ir numa festa de aniversário, mas lá encontra Beatriz (Blanca Lewin), seu grande amor do passado que terminou mal resolvido e o faz confrontar e reavaliar sua vida, além de algumas pendências que ficaram pouco esclarecidas. Na festa do antigo amigo sente que tem pouco em comum com o mundo que deixou para trás e o reencontro com colegas de infância é gélido.

O mote principal do drama é o reencontro com a ex-amada, embora os amigos sejam secundários, muitas circunstancias voltam a aflorar e as recordações vão desfilando na sua mente. Andrés circula no ambiente aparentemente festivo como se fosse um fantasma entre seres vivos intergaláticos, dentro de um silêncio sinistro e pessimista de um futuro incerto. As pessoas o encontram casualmente e as velhas amizades vão ao encontro daquela criatura angustiada e dolorida, que volta a seu país depois de uma turbulência política implícita superada.

A paz parece reinar entre os convivas animados, menos para Andrés, um legítimo peixe fora d’água, na sua busca de soluções para aparar arestas deixadas pendentes. Uma delas é a cena reveladora do encontro com a mãe do amigo Francisco que se suicidou, já antecipado pela garota alcoolizada que faz questão em gizar sobre a repercussão do fato e da presença de Andrés no dia trágico. A genitora da vítima, ao falar das coisas do quarto que permanecem impecavelmente arrumadas parecem lhe esperar do retorno, não esconde a mágoa da perda dentro de um sorriso mordaz e irônico, como se o questionasse e o incriminasse por ter sido supostamente ausente e omisso. Já o irmão de Francisco é menos viril e o deixa à vontade para relembrar os bons tempos que não voltam mais ou escapam por uma culpa involuntária de desejos e atitudes tomadas sem emoções, transparecendo o racional na escolha.

Deve ser ressaltada a cena final comovente com a dignificante interpretação da atriz Blanca Lewin como a namorada descartada, refletindo as dores e insatisfações de seu presente infeliz, demonstrando com sutileza e sensibilidade num bem elaborado longo plano-sequência toda sua derrocada, atingindo no âmago daquela criatura que busca a reconciliação, embora haja toda uma complexidade para ser superada. Deixar o final em aberto sugere uma direção segura de Bize, tendo na trilha sonora funcionando como um verdadeiro espasmo de um clímax melancólico, onde a bonita fotografia está adequada num cenário de uma luz como se fosse um lusco-fusco em harmonia.

Eis um belo filme sobre as tragédias pessoais traídas pelo destino ou impulsionadas por um momento em suas vidas, onde as decisões manifestam equívocos apressados, mas a angústia e a dor marcam com contundência. Enquanto isto os peixes flutuam no aquário numa demonstração alegórica de suas vidas tranquilas, pois nadam e não chegam a lugar nenhum e o protagonista tenta resgatar a essência da vida nas reflexões e emoções das lembranças conflitadas.

Nenhum comentário: