Viúvas do Sertão
Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina são dois diretores mineiros
promissores desta nova geração de talentos que surge no cinema brasileiro. Num
momento em que despontam como renovação, pois o que falta é espaço para os neófitos
que ficam oprimidos e com um vazio no cenário nacional, aparecendo quase sempre
as mesmas figurinhas marcadas, deixando pouco espaço para os novos mostrarem
suas obras.
O belo drama Girimunho
tem uma dinâmica documental e é um exemplo que está aí, ao mostrar toda sua
beleza e criatividade destes dois competentes cineastas brasileiros estreantes que
estão dando vazão de suas qualidades, embora esteja passando somente na Casa de
Cultura Mário Quintana, em Porto
Alegre. Houve apresentações nos festivais
de Toronto, Nantes, Veneza, Nova Iorque, San Sebastian, Havana e Roterdã, bem
que poderia ter mais salas disponíveis, com menos blockbusters que infestam e ocupam lugares de filmes qualificados.
O longa conta a história das duas amigas viúvas octagenárias
que reinterpretam seus cotidianos. Bastu é uma figura carismática, espontânea
pelo seu brilho próprio e por ter facilidade comunicativa faz o tempo voar; já
Maria do Boi simboliza a alegria de seu povo tocando o tambor numa batucada de
sons que não podem ser esquecidos pelos mais jovens. As duas mulheres singelas
vivem na longínqua cidade de São Romão, no Sertão de Minas Gerais. Elas mostram
suas vidas e ensinamentos numa linguagem bem peculiar, necessitando
corretamente de legendas para não se perder nada dos diálogos.
Bastu é a condutora da película e fala do marido que perdeu
tomando cachaça, mas não chora na despedida para a eternidade. Surpreende um
dos netos, mas afirma enfática ter sido a pedido do próprio avô. É uma pessoa
com muita sabedoria de vida e coloca para a neta “o tempero é a alma da comida
e a calma é o mais importante”. Vai desfiando seu rosário de conhecimentos que
a idade lhe ensinou, tendo a cena reveladora de toda sua magnitude como pessoa
forte e emblemática, aquela do epílogo, ao falar de sua relação com os peixes
dourados no rio e sua luz que ilumina, numa metáfora de vida a ser seguida, sem
ser professoral, filosofa com ternura pela dócil boca a simbólica frase “a
gente não sabe se é velho ou se é novo; a gente vive”.
Recentemente foi visto por poucos espectadores o grandiloquente
documentário Terra Deu, Terra Come (2010),
do surpreendente diretor mineiro Rodrigo Siqueira, embasado na obra maravilhosa
do festejado Guimarães Rosa, fez uma verdadeira visita ao universo e ao reino
da terra tão cultuada pelo escritor, com alusões ao rico e mitológico universo
do autor de Grande Sertão: Veredas, criando
uma autêntica obra autoral, deslumbrando com sua linguagem típica regional. Tão
eloquente pela contundência narrativa é Girimunho,
realizado com poesia e ardor, com interpretações valiosas e um elenco amador,
mas pungente e humano, diante de um brilho sensorial poucas vezes visto.
O filme é marcante em seu todo, mas não pode ser esquecida a
cena de Bastu descendo o Rio São Francisco, com uma comunicação instantânea com
o público, decorrente da esplendorosa fotografia captada dos lindos lugares de
um cenário mágico corroborado pelo desapego daquela criatura idosa e reflexiva,
que aprende a olhar o horizonte e banhar-se no rio. Assim como fica pela
madrugada sentada na frente de sua deliciosa casinha modesta, limpa e bem
cuidada. Tem amor e muita voracidade em viver a cada instante, cada momento,
não lhe escapando nenhum detalhe, numa verdadeira aula do sentido da vida. O
drama não tem emoções gratuitas, mas apenas deixa desfilar os prazeres de uma
vivência simples com as duas netas sequiosas no aprendizado, retribuindo-lhe o
afeto na mesma proporção de doçura.
O longa é uma abordagem magnífica entre o real e a ficção
nas aparições do fantasma do marido morto e o folclore típico regional, como a
decisão insólita e definitiva de colocar as roupas remanescentes do defunto num
local bem longe da residência, para evitar a presença material e espiritual de
quem não mais pertence ao mundo dos vivos. Girimunho enriquece
as tradições, as lendas, os cânticos e versos regionais e folclóricos,
especialmente realizados sobre pessoas humildes e pobres, mas ricas de conteúdo
e experiências de vidas longas. Uma construção literária soberba, ao melhor
estilo de Guimarães Rosa, mas que no cinema fascina e dá luzes para novos
redemoinhos, na tradução popular do título a obra, conduzido primorosamente
pela dupla de diretores, com um jeito novo de filmar inovam, saindo da mesmice dos
demais.
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