As Perdas
Stephen Frears é um veterano diretor britânico de 72 anos, com
mais de uma dezena de filmes. Acerta a mão algumas vezes, como em Ligações Perigosas (1998), Alta Fidelidade (2000), A Rainha (2006); erra em outras
realizações como Herói por Acidente
(1992), O Retorno de Tamara (2010) e O Dobro ou Nada (2012). É um cineasta
instável e muito imprevisível. Seu último longa Philomena fica no meio termo, embora seja um bom drama familiar que
mereça ser visto, apresenta algumas deficiências estruturais, que não chega a
comprometer no todo, mas tira o brilho de uma grande obra. Concorre a quatro
Oscar: melhor filme, atriz (Judi Dench), trilha sonora e roteiro.
A trama está centrada na história real da octagenária Philomena
Lee- que nesta semana foi recebida pelo Papa Francisco no Vaticano, pois está à
frente do "Philomena Project" de ajuda a outras mães a encontrar os
filhos, luta para que o governo irlandês promulgue uma lei que permita a
consulta aos registros de crianças adotadas- que engravida quando mocinha e é mandada para um convento pelos pais, na Irlanda, no ano de 1952. O
recém-nascido é doado pelas freiras para um casal norte-americano de alto poder
aquisitivo e some no mundo. Ou seja, na realidade é vendido, o que se descobre depois
ser uma prática corriqueira. No dia em que o filho sumido Anthony completaria
50 anos, Philomena (Judi Dench- quando jovem é interpretada por Sophie Kennedy
Clark, vista em Ninfomaníaca- Volume 1,
de Lars von Trier) começa uma busca incessante para reencontrá-lo, com a ajuda
do jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan- que também assina o roteiro com
Jeff Pope), que é mostrado inicialmente deprimido ao ser demitido pela BBC de
Londres.
Ao viajar para os Estados Unidos, a dupla descobre
informações apimentadas sobre a vida do procurado, criando-se um estreito laço
de afetividade entre os dois. A personagem-título carrega como marca do passado
a intransigência da doação sem sua anuência, numa demonstração de pura agressão
psicológica, que a torna uma pessoa de olhar melancólico, com a ênfase convincente
da interpretação clássica de Dench, uma espécie de Fernanda Montenegro do
cinema e teatro do Reino Unido. Traz como lembrança de uma boa freirinha aliada
na juventude, apenas a foto do menino que lhe foi arrancado abruptamente,
contrastando com a perversidade da madre superiora que a humilhou. Há um
evidente viés de maniqueísmo, um clichê utilizado muitas vezes entre o bem e o
mal, em que o diretor não escapa.
Do encontro do jornalista com a mãe angustiada para saber o
destino do filho, surgem dúvidas sobre o rapaz. Será que ele pensou nela por
estes longos anos? Onde estaria naquele momento de incertezas do futuro? A
perda poderia se repetir novamente, o que tudo indica se repetirá. Martin é
ateu e tenta entender o que acontece na alma daquela mulher obcecada pelo
objetivo traçado. Mesmo não gostando de “matérias de interesse humano”, como
afirma, pois prefere a rotina da investigação política, abraça a causa e se
comove com a situação, diante do pacto contratual de lançar um livro, razão
pela qual se deixa seduzir pela busca, que não está tão distante do que gosta
de fazer: a investigação. Mostra-se avesso ao catolicismo e fica perplexo com a
fidelidade da “parceira-contratante” e sua fé religiosa, mesmo com todas as
agruras que passou no convento, tem uma invejável dignidade e uma
irrepreensível devoção religiosa, com um singular senso de perdoar aquelas
freiras que a fizeram definhar pela vida.
O cineasta aborda a tensa procura nos EUA e as revelações que
irão construir a trajetória do desaparecido, inclusive sua boa performance
profissional no governo e com bom trânsito na Casa Branca, bem como os
conflitos pessoais e a relação amorosa, que não é surpresa para a mãe, pois já
na infância percebia sua opção sexual. Mas o que ela quer saber é sobre o
vínculo familiar e a relação com seu país de origem, neste aspecto Frears
demonstra lucidez com uma grande surpresa no final. Peca por não ir a fundo na
questão da venda de crianças para o Exterior, sem grandes desdobramentos,
exceto nas informações oficiosas lançadas nos letreiros de encerramento.
Há uma abordagem rasa e sem grande aprofundamento sobre a
Igreja Católica, nos seus usos, costumes e a própria repressão ao sexo fora do
casamento, além da homossexualidade vista com distanciamento, temas estes
discutidos vagamente para mudar no Concílio do Vaticano, na gestão dos papas conservadores
João Paulo II e Bento XVI, como tentativas inócuas de reestruturar a igreja
ainda ortodoxa. Frears passa rapidamente pela confissão da madre superiora
sobre a perda da castidade e a menção às pecadoras que deveriam ser condenadas,
entre elas a protagonista. Não fica claro, diante do obscurantismo temático e
suas derivações, como das crianças e das mães sepultadas aparentemente
clandestinas no cemitério do convento.
Em filme similar, Bruno Dumont se sai melhor na reflexão
contundente sobre o catolicismo no excelente O Pecado de Hadewijch (2009), sobre uma jovem da classe alta que
deseja ser freira e tem um envolvimento com dois irmãos muçulmanos, num olhar
forte e posição firme sobre os dogmas religiosos e suas aberrações ultrapassadas
de proselitismos e epifanias. Em Philomena
há a busca comovedora do filho extraviado no tempo, bem como a relação dos dois
personagens centrais. Há diferenças enormes entre eles de crença religiosa e
filosofia de vida. De um lado estão a simplicidade e a ternura de uma mãe
despedaçada no seu interior, mas com força para perdoar; do outro lado a
intelectualidade e o pragmatismo do pensar que sabe tudo, que num último gesto
se rende com a doçura maternal e lhe compra uma imagem de um santo que vem
calar fundo como emoção, ponto forte do diretor. Já no aspecto da abordagem sobre
a religião demonstra fragilidade sobre o tema.
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