terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Philomena


As Perdas

Stephen Frears é um veterano diretor britânico de 72 anos, com mais de uma dezena de filmes. Acerta a mão algumas vezes, como em Ligações Perigosas (1998), Alta Fidelidade (2000), A Rainha (2006); erra em outras realizações como Herói por Acidente (1992), O Retorno de Tamara (2010) e O Dobro ou Nada (2012). É um cineasta instável e muito imprevisível. Seu último longa Philomena fica no meio termo, embora seja um bom drama familiar que mereça ser visto, apresenta algumas deficiências estruturais, que não chega a comprometer no todo, mas tira o brilho de uma grande obra. Concorre a quatro Oscar: melhor filme, atriz (Judi Dench), trilha sonora e roteiro.

A trama está centrada na história real da octagenária Philomena Lee- que nesta semana foi recebida pelo Papa Francisco no Vaticano, pois está à frente do "Philomena Project" de ajuda a outras mães a encontrar os filhos, luta para que o governo irlandês promulgue uma lei que permita a consulta aos registros de crianças adotadas- que engravida quando mocinha e é mandada para um convento pelos pais, na Irlanda, no ano de 1952. O recém-nascido é doado pelas freiras para um casal norte-americano de alto poder aquisitivo e some no mundo. Ou seja, na realidade é vendido, o que se descobre depois ser uma prática corriqueira. No dia em que o filho sumido Anthony completaria 50 anos, Philomena (Judi Dench- quando jovem é interpretada por Sophie Kennedy Clark, vista em Ninfomaníaca- Volume 1, de Lars von Trier) começa uma busca incessante para reencontrá-lo, com a ajuda do jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan- que também assina o roteiro com Jeff Pope), que é mostrado inicialmente deprimido ao ser demitido pela BBC de Londres.

Ao viajar para os Estados Unidos, a dupla descobre informações apimentadas sobre a vida do procurado, criando-se um estreito laço de afetividade entre os dois. A personagem-título carrega como marca do passado a intransigência da doação sem sua anuência, numa demonstração de pura agressão psicológica, que a torna uma pessoa de olhar melancólico, com a ênfase convincente da interpretação clássica de Dench, uma espécie de Fernanda Montenegro do cinema e teatro do Reino Unido. Traz como lembrança de uma boa freirinha aliada na juventude, apenas a foto do menino que lhe foi arrancado abruptamente, contrastando com a perversidade da madre superiora que a humilhou. Há um evidente viés de maniqueísmo, um clichê utilizado muitas vezes entre o bem e o mal, em que o diretor não escapa.

Do encontro do jornalista com a mãe angustiada para saber o destino do filho, surgem dúvidas sobre o rapaz. Será que ele pensou nela por estes longos anos? Onde estaria naquele momento de incertezas do futuro? A perda poderia se repetir novamente, o que tudo indica se repetirá. Martin é ateu e tenta entender o que acontece na alma daquela mulher obcecada pelo objetivo traçado. Mesmo não gostando de “matérias de interesse humano”, como afirma, pois prefere a rotina da investigação política, abraça a causa e se comove com a situação, diante do pacto contratual de lançar um livro, razão pela qual se deixa seduzir pela busca, que não está tão distante do que gosta de fazer: a investigação. Mostra-se avesso ao catolicismo e fica perplexo com a fidelidade da “parceira-contratante” e sua fé religiosa, mesmo com todas as agruras que passou no convento, tem uma invejável dignidade e uma irrepreensível devoção religiosa, com um singular senso de perdoar aquelas freiras que a fizeram definhar pela vida.

O cineasta aborda a tensa procura nos EUA e as revelações que irão construir a trajetória do desaparecido, inclusive sua boa performance profissional no governo e com bom trânsito na Casa Branca, bem como os conflitos pessoais e a relação amorosa, que não é surpresa para a mãe, pois já na infância percebia sua opção sexual. Mas o que ela quer saber é sobre o vínculo familiar e a relação com seu país de origem, neste aspecto Frears demonstra lucidez com uma grande surpresa no final. Peca por não ir a fundo na questão da venda de crianças para o Exterior, sem grandes desdobramentos, exceto nas informações oficiosas lançadas nos letreiros de encerramento.

Há uma abordagem rasa e sem grande aprofundamento sobre a Igreja Católica, nos seus usos, costumes e a própria repressão ao sexo fora do casamento, além da homossexualidade vista com distanciamento, temas estes discutidos vagamente para mudar no Concílio do Vaticano, na gestão dos papas conservadores João Paulo II e Bento XVI, como tentativas inócuas de reestruturar a igreja ainda ortodoxa. Frears passa rapidamente pela confissão da madre superiora sobre a perda da castidade e a menção às pecadoras que deveriam ser condenadas, entre elas a protagonista. Não fica claro, diante do obscurantismo temático e suas derivações, como das crianças e das mães sepultadas aparentemente clandestinas no cemitério do convento.

Em filme similar, Bruno Dumont se sai melhor na reflexão contundente sobre o catolicismo no excelente O Pecado de Hadewijch (2009), sobre uma jovem da classe alta que deseja ser freira e tem um envolvimento com dois irmãos muçulmanos, num olhar forte e posição firme sobre os dogmas religiosos e suas aberrações ultrapassadas de proselitismos e epifanias. Em Philomena há a busca comovedora do filho extraviado no tempo, bem como a relação dos dois personagens centrais. Há diferenças enormes entre eles de crença religiosa e filosofia de vida. De um lado estão a simplicidade e a ternura de uma mãe despedaçada no seu interior, mas com força para perdoar; do outro lado a intelectualidade e o pragmatismo do pensar que sabe tudo, que num último gesto se rende com a doçura maternal e lhe compra uma imagem de um santo que vem calar fundo como emoção, ponto forte do diretor. Já no aspecto da abordagem sobre a religião demonstra fragilidade sobre o tema.

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