terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Ela


Paixão Virtual

O filme Ela é ambientado numa Los Angeles do futuro, com um cenário predominantemente com cenas em tom avermelhado, tendo na figura masculina um vestuário de calças com cintura alta e reta. Ganhador do Globo de Ouro como melhor roteiro, foi indicado em cinco categorias ao Oscar deste ano: melhor filme, roteiro original, trilha sonora, canção (The Moon Song) e desenho de produção. A direção e o roteiro são de Spike Jonze, o mesmo do badalado Quero ser John Malkovich (1999) e dos menos cotados Adaptação (2002) e Onde Vivem os Monstros (2009).

O drama retrata o solitário Theodore (Joaquin Phoenix- em grande performance numa atuação irrepreensível), que acaba se apaixonando pela voz de uma mulher de um sistema operacional de comnputador (Scarlett Johansson- dubla a personagem invisível Samantha), dando início a uma inverossímil relação amorosa entre o homem contemporâneo e a tecnologia. O longa parte da inusitada aventura virtual do protagonista com uma suposta namorada criada por um sistema operacional de software, levando à loucura aquele escritor de cartas de amor, que dita mensagens sensuais e românticas, sendo o responsável pela empresa Lindas Cartas Manuscritas. Seu passatempo é ver filmes pornográficos e jogar games, estando sempre conectado no mundo cibernético. Vem do rompimento com a esposa Catherine (Rooney Mara) que o acusa, quando assinam o divórcio, de ser “uma pessoa sem condições de enfrentar as emoções reais”, indo ao encontro da apática relação entre eles, muito mal resolvida, especialmente por Theodore, que resiste em não cortar o vínculo definitivamente.

Jonze retrata com sutileza a solidão humana no tema da incomunicabilidade e por consequência o fantasioso namoro virtual, com a entrega de corpo e alma do escritor para sua paixão abstrata, numa obsessiva cobrança e dependência psicológica e física para estar on-line permanente, causando transtornos quando a voz desaparece e não consegue conectar-se para interagir. Tudo então vai mal e sua vida apresenta terríveis dissabores, ao perceber que a namorada perfeita idealizada está off-line, num processo desgastante e demolidor da ausência. A abordagem tem profundidade no vazio existencial do protagonista, diante da inibição e do distanciamento da realidade aterradora pelo fracasso com duas mulheres reais: a ex-esposa e a garota de encontros (Olívia Wilde). Na mesma esteira de isolamento e de romance desfeito, o cineasta coloca a melhor amiga Amy (Amy Adams- vista recentemente em Trapaça) que perde o marido e também se envolve com contato fabricado no computador.

O filme é uma ciranda de encontros e confissões entre os dois personagens ao mostrar os tempos cibernéticos frios e as loucuras advindas de cabeças perturbadas pela falta de limites de hiperconectados. Há um mergulho na alma dos dois, como um desbloqueio dos sentimentos e do futuro que é visto como um aceno de socorro. Catherine era uma companheira que passou e não tem mais chances de retorno; já a perturbação mental pela inexistente Samantha é visceral e dizima a lucidez de Theodore, quando este descobre que ela se relaciona com mais de 600 outros homens iguais a ele. Fica amassado e reduzido a nada, ao receber a notícia arrasadora e bombástica daquela voz perturbadora, com quem conversa e faz sexo todas as noites em seus devaneios.

Ela é daqueles filmes enigmáticos que se debruça sobre as atitudes de pessoas, que cada vez mais estão fora do realismo do mundo, sem chão e sem perspectiva. Não há uma crítica direta aos conectados e seus desencantos que remanescem da virtualidade, porém sobre os exageros doentios ilimitados, como uma metáfora evidente dos homens com suas máquinas criadoras que se deixam engolir. O roteiro está bem estruturado pela fantasia e nas armadilhas impostas pela existência, com os entraves contemporâneos que dificultam a relação entre pessoas no aspecto físico e psicológico. Destaque para a bela trilha sonora da banda Arcade Fire, que retrata a perplexidade do espectador diante da improvável relação amorosa recheada de simbolismos sobre a incerteza, neste magnífico e sensível drama humano futurístico, embora bem atual e constante sobre o artificialismo da vida.

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