Viagem ao Passado
O cineasta Alexander Payne é daqueles ditos independentes
que gosta de contar histórias enternecedoras, às vezes engraçadas, e seus
filmes têm poucos recursos financeiros se comparados com os investimentos
milionários de Hollywood. Brilhou com Sideways-
Entre Umas e Outras (2004), o melhor filme de sua carreira até perder o
posto para Nebraska. Abordava um
homem depressivo que tenta se tornar um escritor, fascinado por vinhos e decide
dar como presente de despedida de solteiro a seu melhor amigo uma viagem pelas
vinícolas da Califórnia. Logo se envolvem com duas mulheres, o que faz o amigo
querer o rompimento do casamento já marcado para os próximos dias. Enquanto o
futuro escritor se apaixona por uma jovem que também aprecia os vinhos pinot noir. Também em sua carreira
assinou os insossos Eleição (1999) e As Confissões de Schmidt (2002), e o
moralista e preconceituoso Os
Descendentes (2011).
Nebraska é uma
produção que sequer chegou a US$10 milhões e já arrecadou US$15 milhões. Concorre
ao Oscar em seis categorias, entre elas a de melhor filme- com remotas chances
de ganhar, embora seja uma obra magnífica, bem que poderia ser o grande azarão-,
também foi indicado como melhor diretor, roteiro original, melhor ator para
Bruce Dern, aos 77 anos, que finalmente ganhou um papel digno de seu talento,
35 anos depois de indicado em Amargo
Regresso (1978). Está brilhante nos detalhes das sutilezas do olhar
desorientado e o corpo que não quer acompanhar o personagem Woody Grant, que
lhe rendeu o prêmio em Cannes ano passado pela sua atuação. O longa também foi
indicado para atriz coadjuvante June Squibb no papel da fofa Kate, a mulher do
protagonista que passa o dia criticando o marido, mas sabe defendê-lo como
ninguém, em desempenho formidável nas suas poucas aparições em cena. Porém tudo
leva a crer que a grande chance de levar o Oscar está mesmo na radiante
fotografia em preto e branco de Phedon Papamichael, que explora o contraste com
tons acinzentados, é filmado com lentes especiais no processo Cinemascope,
através de negativos 35mm para telas em grandes dimensões no formato mais
horizontal.
Um filme que é sutil e cativante desde o início, comove pelo
vínculo familiar, especialmente pelo filho mais novo David (Will Forte- em
atuação sensível e de boa dramaticidade) com o pai, um idoso que parece estar rasgando
a tênue barreira da senilidade, ao receber pelo correio uma carta de propaganda
prometendo um prêmio de US$1 milhão. Está convicto de que recebeu um bilhete
premiado, que terá um prazo limitado para resgatar a fortuna e ninguém lhe tira
da cabeça seu intuito. Ou seja, ir de Montana, onde reside, até Lincoln, a
capital de Nebraska. Woody é um alcoólatra inveterado desde a juventude e suas ideias
estão cada vez mais embaralhadas, dando sinais de ter contraído Alzheimer, como
indaga a moça da fajuta lotérica ao filho, que responde “Não, ele acredita no
que as pessoas dizem”. Embora transpareça uma loucura ser simplório, há uma
pura convicção na sua cabeça, pois ele é daqueles homens que só se convencem
quando veem. Não se conforma com argumentos soltos e vazios por informações
verbais.
O roteiro é instigante, tendo o drama familiar como seu
propósito temático neste road movie, onde
o diretor coloca os personagens na estrada para um entendimento, além da
análise crítica dos costumes dos norte-americanos. De uma cidade até outra, percorrem
1,3 mil quilômetros o pai com o filho, este uma pessoa com muita paciência e
que faz tudo o que o velhinho de cabelo desgrenhado quer. Diferente é o filho
mais velho (Bob Odenkirk), um aspirante à âncora de televisão, mais parecido
com a mãe pelo pragmatismo e pelas soluções rápidas, por isto irão se encontrar
bem depois na cidade de Hawthorne, como um complemento da família. Uma espécie
de reconstrução do passado onde viveram, numa visita reminiscente a lugares que
ficaram para trás como sombras de outros tempos.
Payne é um diretor autoral, que busca nos pequenos detalhes
uma amostragem da essência cinematográfica. As peripécias da família Grant são
pontuadas pela habilidade e a sutileza da firme direção, com a recriação de
cidades interioranas dos EUA, sendo uma demonstração indicativa de que elas não
evoluíram e pararam no tempo, sem ser piegas ou saudosista. A cena reveladora
posiciona a câmera atrás da TV da sala, mostrando o tristonho lugar onde homens,
velhos e jovens, sentados em frente ao aparelho, quebram o silêncio para falar
sobre carros. Há uma pura química entre os personagens que voltaram para
descobrir fatos ainda guardados em segredo, como o grande amor da dona do
jornal pelo protagonista. Nem tudo é uma relação calorosa, tendo em vista a
nova condição de milionário de Woody, muitas pessoas se aproximam dele para
tirar vantagens, sendo que umas lembram de supostas dívidas antigas, principalmente
os parentes próximos. Mas há aqueles que realmente demonstram carinho, afeto e
ficam radiantes com os reencontros.
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