terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Nebraska


Viagem ao Passado

O cineasta Alexander Payne é daqueles ditos independentes que gosta de contar histórias enternecedoras, às vezes engraçadas, e seus filmes têm poucos recursos financeiros se comparados com os investimentos milionários de Hollywood. Brilhou com Sideways- Entre Umas e Outras (2004), o melhor filme de sua carreira até perder o posto para Nebraska. Abordava um homem depressivo que tenta se tornar um escritor, fascinado por vinhos e decide dar como presente de despedida de solteiro a seu melhor amigo uma viagem pelas vinícolas da Califórnia. Logo se envolvem com duas mulheres, o que faz o amigo querer o rompimento do casamento já marcado para os próximos dias. Enquanto o futuro escritor se apaixona por uma jovem que também aprecia os vinhos pinot noir. Também em sua carreira assinou os insossos Eleição (1999) e As Confissões de Schmidt (2002), e o moralista e preconceituoso Os Descendentes (2011).

Nebraska é uma produção que sequer chegou a US$10 milhões e já arrecadou US$15 milhões. Concorre ao Oscar em seis categorias, entre elas a de melhor filme- com remotas chances de ganhar, embora seja uma obra magnífica, bem que poderia ser o grande azarão-, também foi indicado como melhor diretor, roteiro original, melhor ator para Bruce Dern, aos 77 anos, que finalmente ganhou um papel digno de seu talento, 35 anos depois de indicado em Amargo Regresso (1978). Está brilhante nos detalhes das sutilezas do olhar desorientado e o corpo que não quer acompanhar o personagem Woody Grant, que lhe rendeu o prêmio em Cannes ano passado pela sua atuação. O longa também foi indicado para atriz coadjuvante June Squibb no papel da fofa Kate, a mulher do protagonista que passa o dia criticando o marido, mas sabe defendê-lo como ninguém, em desempenho formidável nas suas poucas aparições em cena. Porém tudo leva a crer que a grande chance de levar o Oscar está mesmo na radiante fotografia em preto e branco de Phedon Papamichael, que explora o contraste com tons acinzentados, é filmado com lentes especiais no processo Cinemascope, através de negativos 35mm para telas em grandes dimensões no formato mais horizontal.

Um filme que é sutil e cativante desde o início, comove pelo vínculo familiar, especialmente pelo filho mais novo David (Will Forte- em atuação sensível e de boa dramaticidade) com o pai, um idoso que parece estar rasgando a tênue barreira da senilidade, ao receber pelo correio uma carta de propaganda prometendo um prêmio de US$1 milhão. Está convicto de que recebeu um bilhete premiado, que terá um prazo limitado para resgatar a fortuna e ninguém lhe tira da cabeça seu intuito. Ou seja, ir de Montana, onde reside, até Lincoln, a capital de Nebraska. Woody é um alcoólatra inveterado desde a juventude e suas ideias estão cada vez mais embaralhadas, dando sinais de ter contraído Alzheimer, como indaga a moça da fajuta lotérica ao filho, que responde “Não, ele acredita no que as pessoas dizem”. Embora transpareça uma loucura ser simplório, há uma pura convicção na sua cabeça, pois ele é daqueles homens que só se convencem quando veem. Não se conforma com argumentos soltos e vazios por informações verbais.

O roteiro é instigante, tendo o drama familiar como seu propósito temático neste road movie, onde o diretor coloca os personagens na estrada para um entendimento, além da análise crítica dos costumes dos norte-americanos. De uma cidade até outra, percorrem 1,3 mil quilômetros o pai com o filho, este uma pessoa com muita paciência e que faz tudo o que o velhinho de cabelo desgrenhado quer. Diferente é o filho mais velho (Bob Odenkirk), um aspirante à âncora de televisão, mais parecido com a mãe pelo pragmatismo e pelas soluções rápidas, por isto irão se encontrar bem depois na cidade de Hawthorne, como um complemento da família. Uma espécie de reconstrução do passado onde viveram, numa visita reminiscente a lugares que ficaram para trás como sombras de outros tempos.

Payne é um diretor autoral, que busca nos pequenos detalhes uma amostragem da essência cinematográfica. As peripécias da família Grant são pontuadas pela habilidade e a sutileza da firme direção, com a recriação de cidades interioranas dos EUA, sendo uma demonstração indicativa de que elas não evoluíram e pararam no tempo, sem ser piegas ou saudosista. A cena reveladora posiciona a câmera atrás da TV da sala, mostrando o tristonho lugar onde homens, velhos e jovens, sentados em frente ao aparelho, quebram o silêncio para falar sobre carros. Há uma pura química entre os personagens que voltaram para descobrir fatos ainda guardados em segredo, como o grande amor da dona do jornal pelo protagonista. Nem tudo é uma relação calorosa, tendo em vista a nova condição de milionário de Woody, muitas pessoas se aproximam dele para tirar vantagens, sendo que umas lembram de supostas dívidas antigas, principalmente os parentes próximos. Mas há aqueles que realmente demonstram carinho, afeto e ficam radiantes com os reencontros.

Nebraska é uma comédia dramática contida e bem elaborada nos diálogos, com imagens reveladoras pela fotografia primorosa, bem coadjuvada por uma trilha sonora não invasiva e que dá o tom certeiro na melodia. É uma viagem sem sentimentalismo barato, mas de reencontros e fortalecimento dos vínculos, como se vê no epílogo comovente registrado pela câmera, dentro de uma atmosfera equilibrada dos contrastes da liberdade de uma jornada familiar intimista inesquecível, como só o cinema pode produzir com a magia peculiar inerente.

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