Os Vigaristas
David O. Russel é um seguidor inspirado no estilo de Martin Scorsese, dirige e assina o roteiro com Warren Singer no filme Trapaça e obtém um resultado convincente pela profundidade. O longa recebeu dez indicações e é um forte concorrente ao Oscar, entre as quais: filme, diretor, roteiro, ator e atriz (Chistian Bale e Amy Adams), os coadjuvantes (Bradley Cooper e Jennifer Lawrence). No Globo de Ouro levou três
estatuetas: melhor comédia, atriz e atriz coadjuvante no gênero. O diretor tem
em seu currículo a razoável comédia romântica recauchutada O lado Bom da Vida (2012), numa abordagem no melhor estilo dos
filmes românticos de Hollywood, retratando o encontro de duas pessoas
problemáticas com dramas pessoais significativos, mas que querem reerguerem-se
de traumas do passado, que rendeu o discutível Oscar a Jennifer Lawrence.
Scorsese com O Lobo de Wall Street (2013) abordava um jovem aspirante a corretor da bolsa de Nova Iorque, que faturou bilhões de dólares em golpes financeiros, manipulando com discursos eletrizantes e que levou investidores à bancarrota, por ensinamentos decorrentes de uma oratória convincente, num cenário de iates e lindas mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nas festas e encontros que se tornavam um transe beirando à Sodoma e Gomorra. Os crimes do colarinho banco são enfocados de forma cômica e extravagante numa história com componentes de drogas e extrapolando todos os limites de regras normativas, através de pilantragem para sonegar impostos. Realizado com uma narrativa frenética que se confundia com uma animação infantil, com um humor nada sutil e excesso de palavras chulas, com muita gritaria no desenrolar de três horas. Tornou-se massificante uma obra que poderia ser reduzida pela metade, num erro crasso de edição.
O discípulo supera o mestre na homenagem direta e sem rodeios nesta inteligente comédia, com uma reconstituição magnífica de cenário, com um figurino exemplar e irretocável. O longa retrata fatos reais de uma investigação entre 1978 e 1980 pela FBI, nos EUA, recriando parcialmente o escândalo na famosa operação Abscam, tendo levado à justiça muita gente importante, entre os quais políticos poderosos de conceituada fama. Segundo eles, em suas defesas pífias, alegavam ter recebido incentivos financeiros de um xeique para custear obras para o povo, na realidade uma criação fantasiosa para despistar as investigações.
A estrutura criada por Russel é a mesma de Scorsese, como
uma dinâmica construtiva de um cinema de alta voltagem. Uma narrativa sem subterfúgios
que vai direto ao ponto, no âmago da falcatrua, mostrando o imbróglio sem
tintas coloridas ou alegorias histéricas. Nisto Trapaça dá de goleada em O
Lobo de Wall Street, pela embalagem de um cinema realizado com todo
requinte e convencimento da vigarice, sem perder a elegância e a classe. É bem
verdade que Scorsese se faz presente, pois seu excelente Os Bons Companheiros (1990) serve de inspiração máxima para o homenageante
deitar e rolar na esteira da corrupção passiva e ativa dos personagens. Havia o garoto
que contava a sua história do sonho em ser gângster, começando a carreira aos
11 anos e se tornando protegido de um mafioso (Robert de Niro- que também é um
temido mafioso com Russel) em ascensão, envolve-se em golpes cada vez maiores e
acaba se casando com sua amante. Conquista prestígio, se envolve com o tráfico
de drogas, prática grandes roubos e ganha muito dinheiro, mas os agentes
federais o perseguem, seu destino pode mudar a qualquer momento.
Trapaça também tem
a trama no mundo do crime, envolve o espectador por ter uma edição enxuta, com
uma trilha sonora adequada e condutora numa trama bem elaborada por um diretor
que consegue obter resultados surpreendentes de atores limitados, demonstrando
domínio de elenco e extraindo uma química renovada de todos eles, sem exceção. Vê-se
Irving Rosenfeld (Bale- perfeito como canastrão barrigudo, até sua peruca dá um
desenrolar com eloquência) é um grande trapaceiro que trabalha junto da sócia e
amante Sydney Prosser (Adams- está irresistível com suas madeixas, além da pose
sedutora). O casal de vigaristas é forçado a colaborar com o inescrupuloso agente
do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), sendo infiltrado no perigoso mundo da
máfia comandado por Victor Tellegio (De Niro). Numa situação dúbia e arriscada
para fisgar os corruptos, o trio se envolve na política do país, através do falso
moralista e candidato populista Carmine Polito (Jeremy Renner). Tudo parece dar
certo num plano bem articulado, até surgir a esposa de Irving, Rosalyn (Lawrence-
derrama charme e está melhor do que quando ganhou o Oscar), para que as regras do jogo
comecem a mudar e causar surpresas no roteiro, deixando todo mundo em maus
lençóis. Numa sacada digna de um bom aluno que demonstra ter aprendido bastante com o mentor.
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