quarta-feira, 17 de junho de 2009

Simonal- Ninguém Sabe o Duro Que Dei



Simonal, Vilão ou Vítima?

O filme Simonal- Ninguém Sabe o Duro Que Dei, dirigido a seis mãos, por Cláudio Manoel (Seu Kreison do Casseta & Planeta), Calvito Leal e Micael Langer, tenta resgatar o charme e a elegância musical de Wilson Simonal, de voz aveluda, doce e macia, talvez um dos maiores intérpretes da música brasileira, bem como desfazer a imagem péssima que causou ao se envolver com o DOPS, numa polêmica e até hoje não bem explicada situação de tortura de seu ex-contador, acusado de desviar dinheiro da empresa e produtora que fazia parte.

Consagrou-se como Rei do Suingue ou o Rei da Pilantragem, Rei da Cocada- definições dadas por ele mesmo-, com belas canções como Meu Limão, Meu Limoeiro, Sá Marina, Mamãe Passou Açúcar em Mim, País Tropical, entre outras. Rivalizava na década de 60 e início dos 70 com Roberto Carlos, o outro Rei, mas do iê-iê-iê. Muitas de suas músicas foram de autoria de Carlos Imperial, integrante da mais fina e consagrada pilantragem ou malandragem carioca. Também cantava chá-chá-chá e por ironia refutava o samba.

Os dotes e o talento artístico de Simonal são incontestáveis, sua clareza e bom gosto musical, como mostra o documentário, o levaram a realizar show com Sarah Vaughan em 1970, num encontro histórico e apoteótico de dois astros da época. Mostra o filme todo seu carisma e seu domínio de palco, tendo a plateia na mãe e fazendo dela o que quisesse, como em seu show no Maracananzinho, no final do Festival da Record, onde 30.000 pessoas deliravam quase em transe.

Há diversos depoimentos no documentário, como de Chico Anisio, Pelé, Nelson Motta, Miéle, dos ex-integrantes do Pasquim Jaguar e Ziraldo. Enfim, diversos relatos da vida artística como da pessoal do polêmico personagem do filme Simonal, entre elas a de que seria inscrito por Zagalo na Copa de 70, no México, para suprir o afastamento de um atleta que se lesionara. Foi o animador oficial com suas belas canções da delegação do tricampeonato. Ingênuo por vezes, filha de empregada doméstica, mas deixava aflorar toda sua arrogância, prepotência e narcisismo. Gastava todo seu dinheiro com mulheres, bebidas, festas e carrões, entre eles tinha três Mercedes.

Seu único engajamento era com o racismo, gostava e fazia questão de dizer no filme que era "negro e feio", por isso devia ter dinheiro para gastar, bons caros como suas Mercedes, não poupava seus detratores e não escondia sua condição de marrento. Provavelmente seu esnobismo tenha contribuído para que a elite conservadora branca tenha lhe perseguido ferozmente. São suposições que brotam das entrelinhas.

Sua pior interpretação em sua vida e que causou seu desabamento artístico pela imprensa brasileira, em especial o célebre jornal nanico O Pasquim, foi pedir para seus seguranças- que tinham ligações diretas com a temível polícia do DOPS- darem uma prensa no seu ex-contador para confessar o desvio e possíveis trapaças das contas da empresa. Era uma época de efervescência política e a dicotomia prevalecia intensamente, pois se vivia um clima tenso e atípico. Ou se era contra o regime ou a favor da ditatura. Ou se era da resistência onde estavam engajados os principais artistas e intelectuais de esquerda brasileiros como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jaguar, Heitor Cony, Ziraldo, Elis Regina, ou ao peleguismo dos defensores do fatídico regime militar de exceção.

O depoimento no documentário pelo ex-contador, salva o filme de ser chapa-branca, quando afirma que Simonal assistiu à sua tortura no DOPS para assinar a confissão e nada fez, num depoimento comovente com sua mulher que a tudo participou e sofreu. Houve a condenação de 5 anos do artista.

Mostra a película que a grande mídia seguiu o Pasquim e detonou literalmente Simonal através de um boicote nacional implacável, sendo ignorado por seus colegas como se fosse um leproso, indo do auge de sua carreira ao fundo do poço, pela sua irresponsabilidade política, ao brincar perigosamente com fogo, mesmo não se provando que houvera suas atribuídas delações. Tentou dar a volta, mas já era tarde para se desculpar com a Nação, não podendo sequer assistir os shows de seus dois filhos cantores, para não prejudicar a imagem dos jovens promissores.

Simonal morre pobre em 2000, abandonado por todos os colegas de profissão, pelos seus fãs e mídia. Fica a indagação latente e sem resposta: foi delator de seus colegas artistas ou não? Vítima ou réu? Resta a constatação certa de sua transição da riqueza à pobreza, do céu ao inferno e dos aplausos às vaias.

Um mérito inegável do filme é não tentar absolver totalmente Simonal, embora haja uma tendência para sua não culpabilidade, ainda assim se salva com sobras e atinge um bom conceito na filmografia brasileira. Assistível, principalmente pelo encantamento e o resgate musical de um cantor singular.

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