terça-feira, 26 de maio de 2009

Budapeste



Um Homem na Sombra

Chico Buarque de Holanda escreveu os romances Estorvo (2000) e Benjamin (2004), ambos filmados por Ruy Guerra e Monique Gardemberg, respectivamente, com severas críticas por suas versões livres e até incompreendidas pelas suas invenções cinematográficas. Agora o diretor Walter Carvalho filmou a mais festejada obra do Chico, Budapeste. Antes o grande fotógrafo brasileiro já dirigira Janela da Alma (2001) e Cazuza- O Tempo Não Para (2004). O grande poeta e músico brasileiro tem também em sua biografia obras para o teatro (Gota Dágua, Ópera do Malandro e Calabar, entre outras).

Transpor para a tela grande Budapeste não foi nada fácil, a começar pela dificuldade terrível com a língua húngara, considerada uma das mais difíceis do mundo, tendo como piada: a única que o diabo respeita. Acertou em cheio ao convidar para estrelar como ator principal no papel de ghost writer, o sempre eficiente e talentoso Leonardo Medeiros, que antes já brilhara no clássico Lavoura Arcaica, Nossa Vida Não Cabe Num Opala e no recente Feliz Natal. Interpretar e falar um idioma que não conhece e nem sabe o que está falando, foi talvez seu maior desafio na sua carreira exemplar. Sentir a emoção, ser sarcástico, estar ressentido e passar para a plateia num idioma totalmente desconhecido, com todo seu ardor não é tarefa para qualquer um, exceto se falarmos de Leonardo Medeiros.

Budapeste trata do escritor anônimo que entrega pronto os livros para os outros terem fama, o que o incomoda e o faz levar uma vida dupla com sua mulher Vanda (Giovanna Antonelli), uma fútil apresentadora de TV, mais preocupada com a fama e os holofotes da grande mídia, do que com os sentimentos e o sofrimento de seu marido, que vive na sombra de grandes escritores. Conhece Kriska (a bela atriz húngara Gabriella Hámori), numa livraria, ao viajar para um Congresso de Escritores Anônimos na mítica e amarelada Hungria, com quem terá seus sentimentos brotarem e sua trajetória tomar outro rumo, ou seja, a redenção de um ser humano que como um andarilho vegetava melancolicamente seus dias, sem grandes perspectivas de vida ou de uma carreira ambiciosa.

O filme é conduzido com altos e baixos, numa obra que se não é das melhores, também não deixa a desejar, pois embora seja confuso, um pouco arrastado, com problemas de edição e de montagem, ainda assim contém elementos artísticos de boa qualidade.

Há uma cena memorável, a descida da estátua do ditador Lenin pelo Rio Danúbio, num barco velho e enferrujado, como a demonstrar a síntese do final de um mito e de uma era comunista já esgotada, em que a própria Hungria muito sofrera com a invasão russa e seu predomínio por dezenas de anos, na chamada Cortina de Ferro. Desce silenciosamente pelo rio o fim de um tempo que fez ruir muitos povos e governantes. Também há outra cena delirante, a do encontro do ghost writer José Costa brasileiro ou Kósta Zsozé/húngaro com a estátua do escritor anônimo, na busca da felicidade ao tocá-la.

Todavia, o filme tem pecados capitais, tais como as insistentes aulas do idioma estrangeiro por José Costa, o que leva para um marasmo e lentidão beirando a insuportabilidade, arrastando-se como se fosse a leitura do livro de Chico, quase levando a um sono profundo. Porém, no que mais errou o diretor Walter Carvalho em suas inserções, foi as lamentáveis cenas gratuitas de nudez e sexo, numa apelação que desmerece seus qualidades artísticas, chegando a lembrar as velhas e surradas pornochanchadas da década de 70, quando vivíamos sob o manto ferrenho de uma ditadura militar, restando pouco a ser filmado na busca comercial e exacerbada de pão e circo ou nudez e sexo.

É um filme com boas qualidades, embora haja deslizes imperdoáveis, mas com referências políticas de uma época em que a Hungria também vivia sombria e duplamente à mercê da Rússia, ainda assim nos contempla com a suas belezas naturais, entre elas aquele restaurante plantado quase dentro do Danúbio, suas músicas e cantos folclóricos pelas ruas e vielas, possui um sabor intrigante de aconchego. Budapeste recebeu por caso o ghost writer José Costa, numa conexão frustrada de Frankfurt que o fez descer e sentir num continente de um país estranho, de língua enigmática, a redenção humanística de quem vivia como parasita de figuras escrotas elevadas à condição de escritores que se tornavam célebres e consagrados numa sociedade de poucas referências.

Mesmo com incorreções, vale a pena ver o filme Budapeste em que tudo é duplo, primando pela dualidade retirada da obra literária do velho mestre Chico, que aparece rapidamente autografando e anuindo os labirintos da trama transposta para o longa-metragem.

Nenhum comentário: