segunda-feira, 11 de maio de 2009

Deserto Feliz



Turismo e Prostituição

O diretor pernambucano Paulo Caldas já havia dado sinais de sua competência, no filme Baile Perfumado, pois agora ingressa de corpo e alma no turismo sexual brasileiro e a consequente prostituição infantil, com claros sinais de origens oriundas do interior, a degradação e a decadência da família, em especial as mazelas arraigadas e as inerentes dificuldades do sertão.

Ao vencer o Festival de Gramado de 2007, com o Prêmio da Crítica, o longa-metragem Deserto Feliz se insere como um relato contundente, sem mascaramento da verdade, abordando com crueza a vida de Jéssica, uma garota menor, com 15 anos, protagonista principal do drama brasileiro sobre a prostituição infantil e o turismo sexual com relevância no Nordeste do país.

Já nas cenas iniciais, a jovem ao tomar banho nua, sendo observada pelo padrasto, que irá estuprá-la posteriormente, sob o olhar e a anuência da mãe, encaminha-se para a descrição e a busca da libertação daquele mundo perverso e sem perspectivas de futuro, que é o sertão pernambucano, em que a própria mãe consente a violência sexual da filha com seu companheiro.

A cena da monotonia do almoço já evidencia o desconforto e a dissolução do núcleo familiar, ao comerem silenciosamente, apenas quebrado pelo barulho dos talheres tilintando os pratos e com a recusa de Jéssica em se alimentar mais, empurrando o prato para se esconder no quarto e projetar o início de sua degradação humana, enveredando para a prostituição na capital, agasalhando-se em quartos sujos e desconfortáveis, dividindo com outras garotas exploradas sexualmente por uma cafetina, bem interpretada por Zezé Motta, de fala mansa, pernsonalidade autoritária, uma sombria vida de qualidade duvidosa.

O turismo sexual no Nordeste brasileiro é hoje um câncer enraizado, como se vê no filme de Caldas, ao discorrer com competência as orgias sexuais, regadas com drogas e bebidas por um jovem alemão, que seduz com promessas de casamento a menina menor e ingênua, bem como levá-la para o exterior, o que faz por pouco tempo, numa aventura rápida pela Alemanha, onde sua vida dá tons de dor e toda sua tristeza, pois se resume em alimentar cabras e cabritas num minizoológico de uma pracinha. Ali já existe o prenúncio da volta ao passado e as origens sertanista, quando identifica-se com animais produtores de leite, típicos de sua região e da infância nebulosa.

Um filme a ser assistido, tendo em vista a virulência da denúncia da prostituição infantil, embora já apresentada em outros filmes, porém neste há uma carga emocional consistente e arrasadora dos costumes estereotipados de uma sociedade doente e febril.

Deserto Feliz é uma coprodução brasileira com a Alemanha, tendo obtido premiação como atriz estreante e revelação Nash Laila, que protagoniza a garota Jéssica, no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e no Festival de Cine Luso-Brasileiro. Também no elenco João Miguel, com atuação discreta mas eficiente, e a atriz Hermila Guedes.

Um filme com qualidades indiscutíveis, firmando e elevando o diretor Paulo Caldas como um artesão do cinema contemporâneo e realista. Pode -se dizer com toda redundância: não perca.

Um comentário:

Belisa Figueiró disse...

Realmente o filme de Paulo Caldas ganha muito com o silêncio e as imagens fortes. Um diretor pernambucano que merece atenção pela simplicidade.

Não tinha pensado na analogia das cabritas com a terra natal, boa observação.