segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Hanami- Cerejeiras em Flor

















Solidão e Morte

O cinema alemão surpreende às vezes pela sua sensibilidade e sutileza como neste excelente Hanami- Cerejeiras em Flor, dirigido exemplarmente por Doris Dörrie. Hanami é a chegada da primavera no Japão, estação célebre do festival das cerejeiras que começam a florescer, num espetáculo visual à parte e o sonho de Trudi (Hannelore Elsner) casada com Rudi (Elmar Wepper), condenado à morte e com alguns meses de vida, conforme diagnóstico dos médicos, logo após um exame de rotina, mas contado apenas para sua mulher, induzida a programar uma viagem, escolhe Berlim e Tóquio para rever os filhos.

A trajetória é comovente, pois logo encontram os filhos em Berlim e se dão conta que eles não têm tempo para proporcionar-lhes um turismo na velha cidade alemã, tendo em vista que todos estão envolvidos com seus problemas particulares afetivos e econômicos, ignoram que seja a despedida do pai. Sequer sabem das fantasias de Trudi que é fascinada pelo teatro de dança butô e da sua pretensão em conhecer com Rudi o majestoso e simbólico Monte Fuji. O casal vem da Baviera, de um bucólico vilarejo tranquilo em que as pessoas tomam suas cervejas nas calçadas após a jornada de trabalho estafante, numa vida pacata sem ambições maiores, exceto o prazer da boa convivência.

A doença repentina de Rudi enseja o velho sonho de Trudi em viajar para o Japão e conhecer o teatro típico da dança daquele país. Temas como solidão, morte e velhice estão presentes e são refletidos de forma peculiar, sem as definitivas e por vezes apressadas conclusões. A morte de Trudi numa praia deserta dá uma guinada no longa e leva o viúvo, que estava para morrer, seguir seu caminho para Tóquio numa peregrinação dolorosa até o festival das cerejeiras, pois se traveste por vezes de sua mulher morta subitamente, sem atingir seu objetivo principal.

A busca incessante do que que não foi obtido, leva Rudi a morar provisoriamente com seu filho caçula, porém insensível com a presença do velho pai, chega a ser flagrado telefonando para um dos irmãos, pedindo para que o busque imediatamente e tomem conta daquele que seria um estorvo em sua vida de solteiro. A paz afetada do rapaz pela presença perturbadora e incômoda do novo inquilino, mostram que ambos sequer se conhecem e os destinos que se cruzam, mesmo entre pai e filho, estão diametralmente opostos e com caminhos diferentes a seguir num mundo em que o velho está descartado. Fica evidente até na última cena, mesmo num funeral, sua honra é enxovalhada por um dos filhos, que ironizam a morte com a presença da menina num quarto alugado pelo pai.

As semelhanças são muitas com outro filme singular do gênero, Seguindo em Frente (2008), sobre o relacionamento de pais e filhos, dirigido com talento pelo diretor japonês Hirozaku Kor-eda. Tanto no longa mencionado, como neste belo filme alemão, há uma homenagem explícita ao velho mestre Yasujiro Ozu, autor do clássico Era uma Vez em Tóquio (1953), tendo no velho mestre a premissa das transformações das famílias e do próprio povo de seu país, bem como a velhice e por consequência a morte que espreita de maneira traiçoeira.

Estes temas sempre foram muito bem abordados, talvez ninguém construiu e celebrizou melhor como o cineasta da alma humana Ingmar Bergman, com suas obras-primas Morangos Silvestres (1957), Gritos e Sussurros (1972) e ainda Sonata de Outono (1978). Outra referência que se pode ver e ficou claro é com o magnífico Encontros e Desencontros (2003), no olhar do estrangeiro para o colorido alucinante das ruas de Tóquio e toda solidão presente de forma inexorável. Também a morte e a solidão contrastando com as luzes e painéis com seu coloridíssimo estão presentes em Babel (2007), no episódio retratado na capital japonesa, onde um homem luta para superar a morte trágica da esposa e tenta ajudar a filha surda a aceitar a perda repentina da mãe. A solidão está presente de maneira arrasadora no episódio Shaking Tokio, dirigido por Bong Joon-Ho (O Hospedeiro-2006), no filme Tokio (2009), que passou na última Mostra de São Paulo, ao retratar o mundo iminente das tele-entregas e o aprisionamento do indivíduo condenado dentro de sua própria casa, com ruas vazias sem pessoas ou animais.

Ficam evidentes os ingredientes familiares contrastando com a beleza visual e a solidão de pessoas perdidas numa floresta de pedras, assim como em Hanami- Cerejeiras em Flor, Rudi busca a poesia nas flores desabrochando das cerejeiras junto ao lago e na personagem da menina adolescente que perdeu sua mãe e mora numa barraca, se solidariza interpretando o teatro butô tão desejado por Trudi, num encontro de gerações atingidas pela perda oriunda da morte, estando juventude e velhice juntas dentro de uma profunda solidão, neste notável longa-metragem que tem na estética pela condução sutil de uma poesia amarga, a forma de tocar na alma e nos sentimentos adormecidos das gerações, uma reflexão profunda e triste de um mundo globalizado e sem tempo para pensar.

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