segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Coco Antes de Chanel

















Contrastes de Uma Época

O filme Coco Antes de Chanel é uma cinebiografia realista da estilista mais famosa da história da França, especialmente sobre o período anterior ao seu estrondoso sucesso. Foi baseado no livro de Edmonde Charles-Roux, com produção de Camille Fontaine e Anne Fontaine, com direção quase que perfeita de Anne Fontaine, se não omitisse fatos importantes como o envolvimento com o Nazismo e a época da produção Chanel.

O longa mostra a revolução da alta-costura protagonizada pela menina órfã que se se tornou mundialmente conhecida Gabrielle Bonheur (Andrei Tatou), também criadora do célebre perfume feminino Chanel n°. 5. Ganhou o apelido por cantar nos cabarés franceses a música Qui qu'a vu Coco dans l´Trocadero? A trajetória da cinebiografia mostra uma menina pobre da zona rural da França criada num orfanato de freiras, deixada pelo pai logo após a morte da mãe. Seu fascínio e sua obstinação pela moda iniciam naquele lugar inóspito e com a admiração das outras meninas abandonadas, fazendo bainhas de roupas nos fundos de uma alfaiataria sem nenhum recurso técnico.

Sua vida começa a mudar ao fugir com a irmã Adrienne para a cidade de Moulins, buscando a carreira de cantora nos cabarés, quando conhece o barão com fama de playboy Etienne Balsan (Benoit Poelvoorde). Ao namorar este homem poderoso, sente auspiciosa as chances de se transformar numa mulher famosa, pois sua ambição é irrestrita e tem como obstinação a busca da confecção e da moda parisiense que logo se difundirá pelo mundo. Já como amante de Balsan, Coco planeja seu futuro e nunca abandona seus desenhos dos bonitos chapéus num estilo de bom gosto e sobriedade, bem como confecciona suas belas roupas femininas, embora vista roupas de homens, abolindo os espartilhos e adereços exagerados típicos da época, causando uma enorme revolução na moda.

A busca da independência como mulher parece chegar ao conhecer o britânico produtor de carvão Arthur Capel (Alessandro Nivola), que praticamente negocia com o barão a condição da liberdade de Coco, numa espécie de carta de alforria moderna. O industrial, além de financiar uma loja para Coco em Paris, arrebata seu coração em definitivo, ao tratá-la como uma mulher na essência da palavra, de carne e osso, com sentimentos maiores e fazê-la importante no seio da sociedade, contrariamente do playboy que a usava como objeto descartável.

Inegavelmente o filme tem seus méritos apreciáveis, pois a estilista era avessa ao seu passado e não permitia incursões em sua vida particular. A diretora obteve com dificuldades licença para filmar a vida desta estrela da moda, mostrando todo o fascínio da vida e das peculiaridades de Coco, uma perfeccionista da beleza e sinônimo de elegância. Abriu com enorme dificuldades um campo minado que é o mundo da moda, predominantemente dominado pelo sexo masculino. Sua condição de pobreza também foi um grande empecilho no início, mas que jamais a fez desanimar.

Audrey Tautou se notabilizou pela cômica fábula adulta O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), teve participações razoáveis em O Código Da Vinci (2006) e Coisas Belas e Sujas (2002), mas como Coco está radiante e iluminada, assim como foi a estonteante Marion Cotillard representando Piaf. A semelhança física de atriz é notável com a estilista e seu arrojo como uma mulher que se esforçou ao extremo para interpretar uma celebridade é marcante, com aquele jeitinho pitoresco e típico de uma linda francesinha elegante sem ser vulgar, chamando a atenção pela beleza combinada com o carisma inebriante.

As semelhanças com o filme Piaf- Um Hino ao Amor (2008), de Olivier Dahan, são muitas, tais como a tragicidade que une a duas personagens mais famosas da França, nas suas atribuladas profissões respectivas de moda e música. Ambas foram abandonadas: Piaf pela mãe e criada em um bordel pela avó; Coco abandonada pelo pai num orfanato de religiosas após a morte da mãe. Nos dois filmes há os amores trágicos por acidentes de avião e carro e a definição por continuarem solteiras e sem aventurar paixões futuras.

Em outros filmes como Shorts Cuts (1993), de Robert Altmann e O Diabo Veste Prada (2006), de David Frankel, não há similitude na estética, embora haja comparações no mundo fashion, Coco Antes de Chanel apresenta toda sua magnitude e a essência do belo e do bom gosto, mesclado com as torpezas de uma sociedade repressora e cínica, onde as aparências estavam vestidas de arrogância e o plano financeiro determinava as ações e os destinos.

Cabe ressaltar que os códigos da moda deveriam ser seguidos com suas cores e penduricalhos nas roupas que cumpriam uma função social de marcar o status da nobreza, Coco conseguiu se impor numa sociedade em que as mulheres pareciam ornamentos e enfeites de uma era sem permeabilidade. Há a transgressão e a busca de uma independência, mesmo que o preço tenha sido muito amargo.

O longa tem seu fascínio, embora haja falhas como o envolvimento da estilista com o governo nazista na Segunda Guerra Mundial que passa in albis, tendo em vista que uma personalidade desta envergadura mereceria uma análise crítica e um comprometimento maior da diretora, como também passa em branco o processo de construção da marca Chanel, mesmo que o título explicite a lacuna, é reprovável a omissão e quase compromete o restante da película que merece ser visto, ainda que contenha algumas inarredáveis elipses da carreira desta estrela.

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