Reflexos da Repressão
Vem da Argentina o representante que concorrerá à vaga de
melhor filme estrangeiro do próximo ano. Infância
Clandestina tem direção de Benjamín Ávila, em seu segundo longa e com ótima
aceitação da crítica e do público na Quinzena dos Realizadores do Festival de
Cannes, com roteiro do brasileiro Marcelo Muller, que antes fizera dupla com o
cineasta no curta Veo Veo (2011). O
produtor é Luiz Puenzo, ganhador do Oscar de filme estrangeiro por A História Oficial (1985). Realizou o
documentário Nietos (2004), sobre a
busca das avós na Praça de Maio por crianças raptadas pelos militares.
A trama tem inspiração na vida infantil do cineasta, que viu
sua mãe pela última vez em 1979, uma guerrilheira do grupo Montoneros e que consta
na lista de milhares de desaparecidos em seu país, durante a ditadura militar
do período de 1976 a
1983. Benjamín tinha apenas 7 anos no traumático desaparecimento, o que
tornou-o um diretor atento aos horrores dos porões argentinos, deixando nitidamente
passagens autobiográficas serem inseridas no roteiro, com um viés de repúdio
explícito à repressão contra inocentes, especialmente crianças atingidas de
modo definitivo.
O drama mostra os anseios do garotinho de 12 anos Juan (Teo
Gutiérrez Romero- em desempenho magnífico), alter ego do diretor, tem uma irmãzinha de colo. É filho
do casal revolucionário Horácio (César Troncoso- sempre impecável, é o mesmo de
O Banheiro do Papa (2007), de Enrique
Fernandes e César Charlone) e de Cristina (Natalia Oreiro), tem como ídolo o
engraçado tio Beto (Ernesto Alterio), que tem uma pequena fábrica de chocolates.
Vivem trocando de residências e fugindo das forças repressoras do governo que
reprimem com extrema violência os grupos opositores ao regime.
O cenário é 1979, logo após a conquista da controvertida e
supostamente manipulada Copa do Mundo pela Argentina de 1978. As memórias
relembradas do diretor são parcialmente mescladas com a ficção sobre a
militância clandestina caçada ferozmente. O filme enfatiza que todos os
personagens usavam nomes fictícios para entrarem na Argentina pela fronteira
com o Brasil, sob pena de serem presos e identificados como guerrilheiros.
Estavam num exílio forçado e o retorno ilegal era através da luta armada.
O longa mostra o amor pelo olhar desesperado e suplicante do
protagonista mirim e seu grande romance com a encantadora coleguinha de aula
Maria, que conhece o personagem cordobês de nome ficcional Ernesto. A ternura é
comovedora do pequeno casal impossibilitado de continuar e dar vazão à grande
paixão, como qualquer criança de vida normal, como reivindicada asperamente
pela avó materna, num conflito familiar de rebeldia entre mãe de um lado, filha
e genro de outro, por estarem estes imbuídos intransigentemente na causa
assumida. Benjamín demonstrou influência e inspiração no filme de seu
conterrâneo Marcelo Pineyro, o estonteante Kamchatka
(2003), bem como no brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram
de Férias (2006), de Cao Hamburger. Mas
a proximidade maior está na similitude temática com A Culpa é do Fidel! (2006), de Julie Gavras, um drama espantosamente
memorável para uma diretora estreante.
Eis uma película que mostra os horrores sem a violência
explícita desnecessária. Os relatos são contundentes dentro de uma atmosfera
tensa, mas com uma harmonia segmentada de poesia e dignidade. O cineasta aborda
com elegância e sutileza um execrado regime ditatorial, sem fazer proselitismo
ou manifesto panfletário, dentro de uma estética renovada, mesclando
personagens com desenhos animados. Torna um filme pesado de denúncias numa
leveza espetacular, neste fabuloso drama e fortíssimo candidato ao Oscar de
2013.
Infância Clandestina
retrata os anseios de Juan pela sua respiração frenética e carregada de tensão,
quando busca uma realidade digna para viver com a namoradinha, como bem identificado
no convite inverossímil em fugir para o Brasil e curtir as belezas das areias
finas serpenteadas de coqueiros das praias tão desejadas. É um sonho que ficou
para trás, onde as lembranças atordoam uma realidade dura e repleta de
fantasmas da infância perdida, como refletem os desenhos de uma clandestinidade
melancólica de seres dentro de um contexto de irracionalidade de um regime
confrontado com a intransigência paterna soando como metáfora da desunião entre
irmãos de uma mesma nacionalidade.
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