quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Infância Clandestina












Reflexos da Repressão

Vem da Argentina o representante que concorrerá à vaga de melhor filme estrangeiro do próximo ano. Infância Clandestina tem direção de Benjamín Ávila, em seu segundo longa e com ótima aceitação da crítica e do público na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, com roteiro do brasileiro Marcelo Muller, que antes fizera dupla com o cineasta no curta Veo Veo (2011). O produtor é Luiz Puenzo, ganhador do Oscar de filme estrangeiro por A História Oficial (1985). Realizou o documentário Nietos (2004), sobre a busca das avós na Praça de Maio por crianças raptadas pelos militares.

A trama tem inspiração na vida infantil do cineasta, que viu sua mãe pela última vez em 1979, uma guerrilheira do grupo Montoneros e que consta na lista de milhares de desaparecidos em seu país, durante a ditadura militar do período de 1976 a 1983. Benjamín tinha apenas 7 anos no traumático desaparecimento, o que tornou-o um diretor atento aos horrores dos porões argentinos, deixando nitidamente passagens autobiográficas serem inseridas no roteiro, com um viés de repúdio explícito à repressão contra inocentes, especialmente crianças atingidas de modo definitivo.

O drama mostra os anseios do garotinho de 12 anos Juan (Teo Gutiérrez Romero- em desempenho magnífico), alter ego do diretor, tem uma irmãzinha de colo. É filho do casal revolucionário Horácio (César Troncoso- sempre impecável, é o mesmo de O Banheiro do Papa (2007), de Enrique Fernandes e César Charlone) e de Cristina (Natalia Oreiro), tem como ídolo o engraçado tio Beto (Ernesto Alterio), que tem uma pequena fábrica de chocolates. Vivem trocando de residências e fugindo das forças repressoras do governo que reprimem com extrema violência os grupos opositores ao regime.

O cenário é 1979, logo após a conquista da controvertida e supostamente manipulada Copa do Mundo pela Argentina de 1978. As memórias relembradas do diretor são parcialmente mescladas com a ficção sobre a militância clandestina caçada ferozmente. O filme enfatiza que todos os personagens usavam nomes fictícios para entrarem na Argentina pela fronteira com o Brasil, sob pena de serem presos e identificados como guerrilheiros. Estavam num exílio forçado e o retorno ilegal era através da luta armada.

O longa mostra o amor pelo olhar desesperado e suplicante do protagonista mirim e seu grande romance com a encantadora coleguinha de aula Maria, que conhece o personagem cordobês de nome ficcional Ernesto. A ternura é comovedora do pequeno casal impossibilitado de continuar e dar vazão à grande paixão, como qualquer criança de vida normal, como reivindicada asperamente pela avó materna, num conflito familiar de rebeldia entre mãe de um lado, filha e genro de outro, por estarem estes imbuídos intransigentemente na causa assumida. Benjamín demonstrou influência e inspiração no filme de seu conterrâneo Marcelo Pineyro, o estonteante Kamchatka (2003), bem como no brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger. Mas a proximidade maior está na similitude temática com A Culpa é do Fidel! (2006), de Julie Gavras, um drama espantosamente memorável para uma diretora estreante.

Eis uma película que mostra os horrores sem a violência explícita desnecessária. Os relatos são contundentes dentro de uma atmosfera tensa, mas com uma harmonia segmentada de poesia e dignidade. O cineasta aborda com elegância e sutileza um execrado regime ditatorial, sem fazer proselitismo ou manifesto panfletário, dentro de uma estética renovada, mesclando personagens com desenhos animados. Torna um filme pesado de denúncias numa leveza espetacular, neste fabuloso drama e fortíssimo candidato ao Oscar de 2013.

Infância Clandestina retrata os anseios de Juan pela sua respiração frenética e carregada de tensão, quando busca uma realidade digna para viver com a namoradinha, como bem identificado no convite inverossímil em fugir para o Brasil e curtir as belezas das areias finas serpenteadas de coqueiros das praias tão desejadas. É um sonho que ficou para trás, onde as lembranças atordoam uma realidade dura e repleta de fantasmas da infância perdida, como refletem os desenhos de uma clandestinidade melancólica de seres dentro de um contexto de irracionalidade de um regime confrontado com a intransigência paterna soando como metáfora da desunião entre irmãos de uma mesma nacionalidade.

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