A Realidade Americana
O cineasta neozelandês Andrew Dominik concorreu como melhor
diretor no Festival de Cannes deste ano com o filme O Homem da Máfia, novamente em parceria com o ator Brad Pitt. Antes, a dupla trabalhou no surpreendente faroeste O
Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007). Agora o tema é
a máfia com os jogos e as grandes transações corporativas do mundo do crime.
O drama tem como cenário a cidade de Boston, numa trama
escabrosa de um assalto a um jogo ilegal de pôquer, bem protegido pelos
senhores da máfia americana. Mas os alicerces da organização protetora são
sacudidos por um roubo de uma cifra milionária de valores em espécie. O assassino
profissional Jackie Coogan (Brad Pitt) é contratado para investigar e desvendar
o caso. Ou seja, fazer uma faxina à sua maneira peculiar de um homem frio,
calculista e extremamente profissional, onde sua marca registrada é ser
implacável com os criminosos. É respeitado e temido pela coragem, astúcia e
inteligência acima da média. Pitt está soberbo na interpretação de um matador
estiloso que aos poucos abandona realizações comerciais do passado, ingressando
definitivamente em obras autorais.
Além de dirigir, Dominik é o responsável pelo roteiro que é
baseado no livro de Cogan’s Trade
(matar suavemente), de George V. Higgins, publicado em 1974. O elenco está
impecável com o ótimo James Gandolfini, da série Família Soprano, no papel de Mickey, o beberrão e mulherengo
parceiro decadente de Jackie; Ray Liotta interpreta Markie, o suspeito do golpe;
Sam Sheppard foi indicado ao Oscar como Dillon; o advogado (Richard Jenkins)
faz as tratativas; e os espetaculares ladrões Russel (Ben Mendelsohn) e Frankie
(Scott McNairy) completam o grupo de astros.
O longa mostra as armadilhas que o assalto proporciona com
Jackie tentando através de artimanhas próprias não melindrar os grandes chefões
mafiosos que querem discrição e eficiência, com investigações sigilosas e
adequadas para não causar alarme e perda da credibilidade. Tudo é negócio e
nada de amizades, para dar mais medo no espectador. Há um banho de sangue, característico neste gênero de filmes, com
cenas bem elaboradas em câmera lenta, mesma forma como foi o início de Anticristo (2009), de Lars von Trier,
seguindo a escola do genial cineasta americano Sam Peckimpah, morto em 1984, chamado
pela crítica conservadora de "poeta da violência", pelo seu modo de
filmar sequências violentas em slow
motion, embora sempre dentro de um contexto estético, notabilizou-se como
um referencial na arte de produzir e encarar a morte com suas nuanças nos
pequenos e mínimos detalhes, como em Meu
Ódio Será Sua Herança (1969).
Mas Dominik vai mais longe na audácia, ao colocar uma trilha
sonora suave e delicada, mesclando sangue com cérebro espatifado, cápsulas de
cartuchos sem sonorização dos tiros nos vidros do automóvel rompidos pelos
estampidos surdos e melancólicos. Uma aula de cinema com tensão pura e
alegórica da realidade americana sendo contrastada pelos discursos vazios de
Bush, e de Obama na disputa eleitoral com John McCain em plena crise econômica
de 2008. Enquanto os líderes políticos falam num país que vive como uma grande
comunidade, a realidade é bem diferente e mostra cada um por si, num salve-se
quem puder, em um clima de competição e morte, como salienta o protagonista no
epílogo. Soa como um desabafo não só como uma cobrança pelo que se vive e como
são as coisas no dia a dia numa atmosfera de instabilidade.
O Homem da Máfia retrata a organização ilegal sendo testada, bem como nos governos implantados
nos EUA. Não há segurança e nem fidelidade com os súditos num mundo corrompido
e corroído pelo dinheiro e poder, onde a malícia ardilosa e a inverdade se incorporam
neste fabuloso drama sobre a dura existência de um povo abafado por um patriotismo
estrábico e irreal, desencadeando uma irrefreável onda de violência decorrente
da incivilidade atordoante de uma nação contraditória e bélica de suas raízes. Revela-se
com singularidade a demonstração de um cinema de autor.
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