Não é apenas mais um filme estrelado por Ricardo Darín,
visto recentemente no longa Elefante
Branco (2012), dirigido por Pablo
Trapero, protagonizava um padre doente que vai ao encontro de um colega
envolvido numa trama de tráfico de drogas, brigas de gangues e os subempregos
de crianças no mundo do crime com muito realismo e expressividade. Agora o ótimo
e sempre elogiado Darín interpreta o veterano advogado aposentado Roberto
Bermudez, de 55 anos, que se dedica como professor de uma faculdade de direito,
em Buenos Aires, no notável thriller policial Tese Sobre um Homicídio, que tem na produção a mesma equipe do
badalado O Segredo dos Seus Olhos
(2009), de Juan José Campanella. A direção é de Hernán Goldfrid, que estreou no
longa-metragem Música en Espera
(2009), teve no enxuto roteiro a assinatura de Patrício Vega, que se baseou no
livro de Diego Paszkowski, mostra seus méritos em torno da expectativa criada
do acusado e as reviravoltas da trama, sugerindo um clima investigativo de
suspense como nos velhos policiais noir.
Foi visto por quase dois milhões de pessoas na Argentina, o
que não é pouca coisa, tem seu sucesso comparado a O Segredo dos Seus Olhos, vencedor do Oscar estrangeiro de 2010.
Tem um enredo astuto com um crime acontecendo dentro do estacionamento da
faculdade, sendo o corpo observado pelo catedrático de Direito Penal e seus
alunos em plena aula. Antes do fato, um retardatário chega à sala e leva uma carraspana
do docente, um recém-divorciado que pega as ex-alunas e não quer saber de
compromissos sérios. Não é nenhum exemplo de sobriedade e retidão, mas seu ego
é enorme e se infla rápido, diante de um invejável saber jurídico criminal
desenvolvido em aula e mesclado com prepotência.
O filme gira para o egocentrismo invasivo do advogado na
pele de um investigador de um crime que aconteceu embaixo de seus olhos. Isto
lhe soa como imperdoável e logo sua dedicação para desvendar o enigma vem revelar
uma pessoa obsessiva e a imaginação não tem limites. Faz recair toda a suspeita
sobre o melhor aluno, um rapaz que é filho de um grande amigo e seu admirador
confesso. O jovem Gonzalo (Alberto Ammann) passa a ser visto como um psicopata
matador de mulheres, diante da tese do crime perfeito e suas regras são
investigadas minuciosamente. As evidências são quase que montadas e os
artifícios do professor direcionam como uma verdade absoluta à espera da
próxima vítima, ou seja, a irmã da assassinada Valeria Di Natale.
Goldfrig conduz sutilmente o espectador para o discípulo querendo
superar o mestre, deixando aflorar as circunstâncias que poderão incriminá-lo,
mas centra o foco na obstinação tresloucada de Bermudez e o obsessivo direcionamento
para a culpabilidade de Gonzalo, em face das teses sobre crimes e a perspicácia
na abordagem da matéria com domínio amplo sobre o que fala e escreve. Suas
andanças por países europeus e alguns crimes ocorridos por onde passou, deixam
o professor ainda mais atilado e convicto de um serial killer de mulheres bonitas e atraentes. São retratadas nas
cenas que se seguem um clímax da perda completa da lucidez e do aspecto ético
profissional, com a ausência de imparcialidade na investigação paralela. Instala-se
um caos nas improvisações que vão desde a polícia até a medicina legal,
passando por um judiciário ultrapassado e inócuo, para resolver um simples
crime num estacionamento de uma faculdade. É a falência de toda uma conjuntura
estrutural de um sistema decadente. A morte é uma alegoria para a destruição de
todos os setores e organismos das células de uma sociedade.
O longa-metragem policial faz refletir sobre o ciúme, diante
da iminência da perda do domínio do poder. Estaria o advogado feliz com o que
faz, após deixar a profissão e se dedicar a lecionar? Sua vida pessoal em
descompasso e virada do avesso não seria um indicativo de insegurança? São
questões colocadas com a ascensão rápida do seu pupilo, vem causar um
transtorno de ansiedade e por consequência um labirinto de dúvidas com a
lucidez se esvaindo, diante da imersão abalada no aspecto emocional e com a
razão sendo colocada num plano secundário.
Tese Sobre um
Homicídio aborda estas concessões e questionamentos lançados pelo cineasta,
que busca uma cumplicidade do espectador para desvendar o crime ou indicar
elementos com fartos subsídios para associar o prólogo com o epílogo, fazendo-o
suspirar mais aliviado somente com os letreiros dos créditos finais na tela,
neste excelente policial noir
argentino que instiga. Um filme de closes nos rostos para mostrar os
sentimentos dos personagens envolvidos e bem secundados por uma trilha sonora
que dá o tom como um fio condutor, mostra-se eficiente e impecável na trama.
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