quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Tese Sobre um Homicídio



















O Crime

Não é apenas mais um filme estrelado por Ricardo Darín, visto recentemente no longa Elefante Branco (2012), dirigido por Pablo Trapero, protagonizava um padre doente que vai ao encontro de um colega envolvido numa trama de tráfico de drogas, brigas de gangues e os subempregos de crianças no mundo do crime com muito realismo e expressividade. Agora o ótimo e sempre elogiado Darín interpreta o veterano advogado aposentado Roberto Bermudez, de 55 anos, que se dedica como professor de uma faculdade de direito, em Buenos Aires, no notável thriller policial Tese Sobre um Homicídio, que tem na produção a mesma equipe do badalado O Segredo dos Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella. A direção é de Hernán Goldfrid, que estreou no longa-metragem Música en Espera (2009), teve no enxuto roteiro a assinatura de Patrício Vega, que se baseou no livro de Diego Paszkowski, mostra seus méritos em torno da expectativa criada do acusado e as reviravoltas da trama, sugerindo um clima investigativo de suspense como nos velhos policiais noir.

Foi visto por quase dois milhões de pessoas na Argentina, o que não é pouca coisa, tem seu sucesso comparado a O Segredo dos Seus Olhos, vencedor do Oscar estrangeiro de 2010. Tem um enredo astuto com um crime acontecendo dentro do estacionamento da faculdade, sendo o corpo observado pelo catedrático de Direito Penal e seus alunos em plena aula. Antes do fato, um retardatário chega à sala e leva uma carraspana do docente, um recém-divorciado que pega as ex-alunas e não quer saber de compromissos sérios. Não é nenhum exemplo de sobriedade e retidão, mas seu ego é enorme e se infla rápido, diante de um invejável saber jurídico criminal desenvolvido em aula e mesclado com prepotência.

O filme gira para o egocentrismo invasivo do advogado na pele de um investigador de um crime que aconteceu embaixo de seus olhos. Isto lhe soa como imperdoável e logo sua dedicação para desvendar o enigma vem revelar uma pessoa obsessiva e a imaginação não tem limites. Faz recair toda a suspeita sobre o melhor aluno, um rapaz que é filho de um grande amigo e seu admirador confesso. O jovem Gonzalo (Alberto Ammann) passa a ser visto como um psicopata matador de mulheres, diante da tese do crime perfeito e suas regras são investigadas minuciosamente. As evidências são quase que montadas e os artifícios do professor direcionam como uma verdade absoluta à espera da próxima vítima, ou seja, a irmã da assassinada Valeria Di Natale.

Goldfrig conduz sutilmente o espectador para o discípulo querendo superar o mestre, deixando aflorar as circunstâncias que poderão incriminá-lo, mas centra o foco na obstinação tresloucada de Bermudez e o obsessivo direcionamento para a culpabilidade de Gonzalo, em face das teses sobre crimes e a perspicácia na abordagem da matéria com domínio amplo sobre o que fala e escreve. Suas andanças por países europeus e alguns crimes ocorridos por onde passou, deixam o professor ainda mais atilado e convicto de um serial killer de mulheres bonitas e atraentes. São retratadas nas cenas que se seguem um clímax da perda completa da lucidez e do aspecto ético profissional, com a ausência de imparcialidade na investigação paralela. Instala-se um caos nas improvisações que vão desde a polícia até a medicina legal, passando por um judiciário ultrapassado e inócuo, para resolver um simples crime num estacionamento de uma faculdade. É a falência de toda uma conjuntura estrutural de um sistema decadente. A morte é uma alegoria para a destruição de todos os setores e organismos das células de uma sociedade.

O longa-metragem policial faz refletir sobre o ciúme, diante da iminência da perda do domínio do poder. Estaria o advogado feliz com o que faz, após deixar a profissão e se dedicar a lecionar? Sua vida pessoal em descompasso e virada do avesso não seria um indicativo de insegurança? São questões colocadas com a ascensão rápida do seu pupilo, vem causar um transtorno de ansiedade e por consequência um labirinto de dúvidas com a lucidez se esvaindo, diante da imersão abalada no aspecto emocional e com a razão sendo colocada num plano secundário.

Tese Sobre um Homicídio aborda estas concessões e questionamentos lançados pelo cineasta, que busca uma cumplicidade do espectador para desvendar o crime ou indicar elementos com fartos subsídios para associar o prólogo com o epílogo, fazendo-o suspirar mais aliviado somente com os letreiros dos créditos finais na tela, neste excelente policial noir argentino que instiga. Um filme de closes nos rostos para mostrar os sentimentos dos personagens envolvidos e bem secundados por uma trilha sonora que dá o tom como um fio condutor, mostra-se eficiente e impecável na trama.

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