quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Hannah Arendt



Pensamento Polêmico

Novamente a cineasta Margarethe Von Trotta faz parceria com a excelente atriz Barbara Sukowa no seu último longa-metragem Hannah Arendt, coprodução da Alemanha com a França. Em 1986, Barbara interpretou Rosa de Luxemburgo, de Margarethe e dividiu a estatueta de melhor atriz em Cannes com a brasileira Fernanda Torres. Sua carreira decolou com o genial diretor alemão Rainer Werner Fassbinder em Berlin Alexanderplatz (1980) e Lola (1981). Está impecável e atua magistralmente no papel da filósofa judia-alemã cinebiografada (1906-1975). Dá vida e emoção no desenrolar do filme, mostra-se madura e de um potencial inato de interpretação exuberante, como poucas vezes visto no cinema e arrasa. Há algumas expressões faciais, além do sorriso tímido que lembram Marieta Severo.

A narrativa foge do linear e vai traçando um painel diversificado da protagonista, com flasbacks do passado e sua relação amorosa com o festejado filósofo Heidegger, seu grande mestre de influência acadêmica, intercalando no aparente casamento sólido com o crítico Heinrich Blutcher (Alex Milberg), dando uma dimensão natural e singular. Hannah é uma mulher feminista para a época, sempre com um cigarro na boca, embora refutasse esta definição, assim como renegava ser chamada de filósofa. A trajetória de escritora se desenvolveu rápido por frequentar ambientes de intelectuais renomados. É imperioso destacar que o sionismo sempre esteve presente em suas obras literárias e ao escrever artigos para a revista norte-americana The New Yorker, pois fora contratada para cobrir o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela morte de seis milhões de judeus nos campos de concentração, que foram reunidos no polêmico livro Eichmann em Jerusalém, em 1963. Consagrou-se com a expressão “a banalidade do mal” e publicou ainda As Origens do Totalitarismo, publicado em 1951, mas foi acusada ainda assim de antissemita, embora tenha no passado se exilado na França, com fuga para os EUA em 1941, para se livrar da fúria do nazismo.

A cinebiografia com uma dramaticidade em alto estilo retrata a controversa polemizada pela publicação dos artigos nos EUA, ao escrever que nem todos os criminosos de guerra eram os monstros que se faziam crer e que Eichmann não era nenhum Mefisto, em referência ao famoso romance Fausto de Goethe, afirmando que o julgamento em Jerusalém era de fachada e não passava de uma farsa. Causou grande celeuma, com cartas sendo enviadas para sua residência e para a revista com protestos de ira e ódio, inclusive ameaças de morte.

Hannah foi marcante como pensadora no século XX, por ter ideias corajosas, avançando na discussão pela reflexão sobre “pensar”, invocando Platão e Sócrates para defender sua tese, onde afirma que o homem que se submete a cumprir ordens superiores para executar crimes contra a humanidade, deixa de ser racional e age mecânica e instintivamente sem ser adepto da maldade. Além de Heidegger, teve influência na carreira o mentor sionista alemão Kurt Blumenfeld (Michael Degen), com quem discute num café em Jerusalém, sobre os rumos do julgamento imparcial do acusado em Israel, que fora sequestrado em Buenos Aires. Há fidelidade na trajetória contada pelos pensamentos liberais, porque embora não postulasse inocência do executor por não saber o que estava fazendo, aprovou a condenação na forca pelo ato da consumação. Sua teoria direcionava para a política de assassinatos em massa e que o algoz apenas cumpria ordens superiores, tendo em vista que o fato de já ser uma besta humana o impedia de pensar.

Hannah Arendt é um filme sobre a intolerância para com o raciocínio da escritora que ama as pessoas e não os povos, como afirma numa cena. A diretora deixa fluir as fragilidades da protagonista, como do mal desafiando o pensamento do bem, ou a burocracia se sobrepondo ao livre modo de expressão de uma intelectual. São colocadas questões como as contradições do mestre Heidegger aderindo ao nazismo, embora a independência das ideias Hannah seja execrada pelos incautos, sofre uma campanha urdida por incomodar na teimosia de posicicionar-se livremente, utilizando seu sarcasmo e frieza para desmontar o estatuto moral das vítimas, diante da mediocridade do revanchismo sem freios e por mencionar a culpa indireta em falsos líderes judeus no genocídio.

Um filme polêmico e ao mesmo tempo instigante pela forma e o conteúdo em desbravar um universo de mentiras e calúnias, por isso uma extraordinária obra para ser vista e discutida, ao retirar os véus da linearidade e abordar com pluralismo de opiniões, sem cometer excessos ou devaneios inconsequentes de uma mulher fascinante, de bom gosto literário, senso crítico apurado, determinada e que nunca se submete aos caprichos dos que pretendem lhe tirar alguma vantagem. Contundente nas recordações sobre os desdobramentos da vida, seus ensinamentos reflexivos e as emoções existenciais.

Nenhum comentário: