quarta-feira, 7 de abril de 2010
Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar
Autoritarismo Familiar
Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar é o mais novo filme deste próspero diretor francês Christophe Honoré, que se debruça e aborda com sensibilidade as lacunas e os conflitos familiares. Os prazeres da vida e os seus incômodos restritos as suas peripécias e andanças multifacetadas, tendo na mãe a figura da falsa moralista e conservadora, embora com um passado nada recomendável para tanta tirania e proselitismo.
Este tema faz parte essencial de sua filmografia com seu estilo humano e preocupado com os elementos decorrentes do núcleo da família, assim como já o fizera no Em Paris (2006), tratando o relacionamento de dois irmãos que moram com o pai, que acabara de se separar da mãe, convivendo com tragédia da morte da irmã e da depressão profunda com tendências suicidas do irmão mais velho que rompera com a noiva. Já em A Bela Junie (2008), a garota de 16 anos apresenta problemas de relacionamento na escola, logo após a morte da mãe e o suicídio aflora novamente como temática contundente para Honoré.
Lena (Chiara Mastroianni- divinamente bela e talentosa- a filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve dá aula de interpretação) é uma mãe de dois filhos, recém-separada, larga o emprego num hospital de Paris e vai morar com os pais e os irmãos na Bretanha, interior da França, onde passou sua infância. É surpreendida num belo dia com a presença incômoda do ex-marido (Jean-Marc Barr) que fora convidado pela sua mãe Annie (Marie-Christine Barrault) para tentar conciliar seu casamento. Lena não é vista como pessoa normal por Annie que a controla como se fosse uma criança grande; tem na figura do pai (Fred Ulysse) a meiguice e a solidariedade paterna, ainda que ausente diante do temor constante da morte; no irmão caçula (Julien Honoré) uma pessoa insegura com um namoro instável; surge o amante e apaixonado pretendente (Louis Garrel- ator fetiche do diretor, trabalhou em três filmes recentes de Honoré); tem ainda na irmã grávida (Marina Föis) a intromissão inadequada.
O núcleo familiar é debatido e questionado com veemência. A opressão materna é o centro nuclear debatido, tendo um controle desmedido do rumo e destino de seus descendentes. A relação conflitante de pais e filhos é evidente, especialmente pela figura materna, já questionada tantas vezes: tanto pela separação, morte e opressão na sua filmografia pequena mas claramente atenta com o cerne familiar como da figura autoritária matriarcal.
Sua crítica é reveladora ao demonstrar o passado da mãe, com vestígios e confissões incongruentes com seu discurso moralista, devastado pela sua inaptidão no trato com a filha. Fica a falsidade das palavras e dos atos hostis e degenerativos entre mãe e filha e a inclusão indesejada do ex-marido que é um pai ausente e relapso com seus filhos. Novamente vem o embate pais e filhos e seus propósitos de relações afetivas. O longa Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar pode ser classificado como uma maturidade atingida pela mescla do equilíbrio de um roteiro enxuto e na abordagem direta, sem grandes metáforas.
Lembra em muito o magnífico O Casamento de Rachel (2008), de Jonathan Demme, pelas adversidades e conflitos familiares reinantes num ambiente que era para ser festivo e virou infernal. Também em Nome Próprio (2007), de Murillo Sales, a força e a coragem de Camila que quer ser escritora a qualquer preço, aparecem como elementos de uma inglória luta constante desta personagem, assim como de Lena para ter sua independência familiar, soltando as amarras desta mulher que tem pretensões diferentes daquele mundo que lhe é imposto quase por coação e impulsionada por valores morais conservadores e nada éticos. Em Um Conto de Natal (2008), do talentoso diretor francês Arnaud Desplechin, a perda de um filho ocasiona uma catarse nos pais refletindo nos outros dois irmãos que sofrem toda a angústia da perda e da culpa, associadas como fator de desagregação, assim como na obra-prima francesa Horas de Verão(2008), de Olivier Asayas, que aprofunda com maestria o ecossistema familiar demonstrando toda a desarmonia quando morre a mãe e os filhos brigam pela divisão patrimonial dos bens e seguem caminhos distintos, fundindo o elo até então existente.
A busca da lenda bretã é emblemática, não só por dar o título ao filme, como as tentativas diversas da moça que vai derrubando todos seus pares de forma inapelável em slow motion. Os mitos se revelam e as aparências não são o que se parecem ser. Fica a mitologia na tela e Honoré conduz o longa como se fosse um condão de diversidades e vai se equilibrando para o epílogo. Há os corpos de nus frontais dos irmãos revelando o exibicionismo ingênuo de uma geração perdida e em conflito. Porém, para Lena há evidências de uma dívida de amor ou uma culpa pelo passado que agora no presente lhe espera para resgatar seus tormentos e aflições que estão ancorados em sua cabeça.
A citação do filme Interlúdio (1946), de Alfred Hitchcock, em que Ingrid Bergman evidencia a divisão de seu coração em dúvidas demonstra as fases da vida de Lena: campo e cidade; submissão e rebeldia; mitologia e realidade. Por toda a sua complexidade e seu dinamismo de abordagem singular, Honoré vai se firmando como um diretor maduro e de indiscutível criatividade, com temas atuais e complexos, acarretando em análises psicológicas dignas de um artesão voltado para um mundo em tempo real.
Assistir seus filmes dá prazer e a mesmice passa longe, desabrochando toda uma alegoria de inventibilidade criativa da mais alta finesse e suavidade, mesmo que ocorra pela forma do choque necessário e sempre alerta, visa mexer com o espectador mais desatento ou que busca somente o entretenimento.
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