sexta-feira, 22 de junho de 2012

Habemus Papam

















O Papa Conflitado

O último longa-metragem do festejado e premiado Nanni Moretti, um diretor ateu, mordaz e crítico dos poderes da Itália, causou um temor no Vaticano, ao realizar uma obra sobre os bastidores da eleição de um Papa. Porém, mostra-se elegante e bastante contido, sem ultrapassar os limites do bom senso. Já em A Missa Acabou (1985), o cineasta satirizara a igreja, através de um complicado padre na periferia de Roma; no longa O Crocodilo (2006), sobrou para o ex-primeiro- ministro Silvio Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão pelas críticas do diretor; mas sua obra maior talvez seja o ganhador do Palma de Ouro em Cannes, O Quarto do Filho (2001), sobre o drama de um psicanalista que reside e trabalha na cidade de Ancona, tem dois filhos, até que uma tragédia o transtorna completamente, ao deixar de acompanhar o filho à praia e nesse passeio o rapaz morre afogado. Uma magnífica reflexão sobre a morte e a forte sensação de remorso. Também ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes pelo longa Caro Diário (1993).

Habemus Papam é um drama com boa dose de humor e ironia fina, ao abordar a eleição papal realizada entre os cardeais, sendo escolhido o vacilante Melville (Michel Piccoli- aos 86 anos, demonstra plena forma e esbanja talento, como já fizera em A Bela da Tarde (1967) e O Discreto Charme da Burguesia (1972), ambos de Buñuel, como o santo padre, pois hesita em manifestar-se para os fiéis que o esperam na Praça de São Pedro. Moretti aborda com sutileza a angústia do Papa e lança uma hipótese arrasadora, ou seja, caso vacilasse e desistisse da missão de Deus de conduzir os homens na terra, como seria o futuro e a fé dos cristãos?

O filme retrata um homem falível, por ser uma pessoa conflitada com um novo desafio pela frente, decide abandonar seus compromissos momentaneamente e foge em pânico para fazer suas reflexões. Busca no teatro seu refúgio de um humano claudicante, na desesperada aflição existencial que o atinge, vai ao encontro da suas reflexões e faz críticas à própria Igreja. Ao juntar-se com os mortais no ônibus, na cafeteria ou ainda caminhando pelas ruas, a crise estabelecida na Santidade se esboroa e os caminhos parecem encurtar e jogá-lo num labirinto de dúvidas e fragilidades, que sequer imaginava vem à tona e o coloca de frente com uma realidade obscura e terrível de um futuro incerto e cheio de antagonismos.

Na cena em que busca refugiar-se no ensaio da peça teatral, fica evidenciada a metáfora do jogo de cena e da interpretação que terá ao enfrentar os fiéis, quando chegar a hora de falar e levar uma palavra de devoção e religiosidade àqueles que o esperam ansiosos, além da imprensa faminta por informações e sequiosa de uma publicação nas páginas dos jornais e revelar a identidade do eleito.

Tudo é muito rápido na vida de Melville e o grande momento lhe aguarda. O mundo parou para vê-lo, a fumaça branca chega ser confundida com a preta nas chaminés, porém a falibilidade não está no roteiro e apesar de sua devoção, ainda não está suficientemente preparado para o posto máximo. Ou seja, sequer teria o direito de renunciar, tendo em vista que a pressão é avassaladora e quase suplanta caprichos ou hesitações, ainda que seu sonho fosse uma antiga vocação frustrada de ser um ator de teatro em detrimento da eleição que o guindou ao topo do catolicismo.

Outra cena ferina é a do porta-voz (Jerzy Stuhr- ótima interpretação) quando chama o psicanalista Brezzi (Nanni Moretti- também atua em elogiável desempenho) para auxiliar e estimular o Sumo Pontífice eleito que grita: “não posso”, “não quero” e “não estou pronto”. É proibido tratar de sexo e sonhos, embora sem permissão para comunicar-se com o mundo exterior, acaba por enclausurar-se no Vaticano, perde o controle da situação e inventa jogos ente os cardeais, sendo o mais disputado o torneio de voleibol entre os representantes dos continentes, apesar da Oceania estar em flagrante minoria, a disputa é interrompida abruptamente. Brezzi visa a razão num cenário dominado pela extremada fé. Outra cena marcante é a do guarda suíço investido no papel de Papa, simulando no quarto sua presença para iludir o povo na praça e a imprensa.

Fé e coragem são demonstrações que não podem faltar, apesar do final de aparência politicamente incorreto, mostra-se corrosivo diante de uma suposta intransigência deturpadora e verossímil entre o desejo e a vocação, onde a estupidez paira nos homens, principalmente quando a religião está em foco, sem o menor escrúpulo ou abertura para um diálogo próspero. São reveladas inaptidões e falta de habilidade para conduzir situações pragmáticas do cotidiano. Moretti sutilmente deixa transparecer que fica um controvertido sacrifício pelo ideal da fé religiosa manifestada como demonstração de um louvor abalado neste bom drama reflexivo sobre a Igreja Católica.

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