Obra
Decepciona de certa maneira na 38ª. Mostra de Cinema de São
Paulo a aguardada promessa Obra, do cineasta
paulistano estreante Gregorio Graziosi, responsável pelo roteiro com Paolo
Gregori, dirigiu diversos curtas, entre eles Saba (2007), exibido em Cannes; escreveu o roteiro de Boa Sorte, Meu Amor (2012), de Daniel
Aragão. O filme foi premiado no Festival do Rio com o prêmio FIPRESCI e ganhou na categoria de melhor fotografia pelo competente André Brandão. Está longe de um resultado
melhor, tendo em vista que o longa não deslancha, vacila e tropeça numa
montagem equivocada por uma estrutura irregular e sem força. Tem previsão de
estreia no Brasil somente para março de 2015, antes passara no Festival
Internacional de Toronto como o único representante brasileiro selecionado.
O cenário da trama é São Paulo, às vésperas do nascimento do
primeiro filho do arquiteto João Carlos (Irandhir Santos). Seu mestre de obras (Julio
Andrade) encontra uma ossada na construção que está prestes a iniciar e a descoberta
desestabiliza os sonhos profissionais do protagonista, fazendo com que ele
questione até mesmo a profissão e a cidade em que vive. Tudo se complica ainda
mais quando vem à tona que o terreno é do avô, que tem uma condição de vida
vegetativa e mora com os pais dele numa casa litorânea. Bem longe da metrópole
poluída e barulhenta de um cenário acinzentado de prédios em construções
gigantescas cobertas por uma névoa de poeira no céu, eis um dos acertos do
longa, através da instigante fotografia em preto e branco para desglamourizar a
cidade e dar um tom de uma selva de pedras.
O tom de opressão proposto logo se esvai, quando enredo se
perde num emaranhado estéril, ao misturar o relacionamento com a sua mulher
(Lola Peploe), que também dá seu pitaco e menciona indícios de indígenas como
um tesouro arqueológico ali depositado. Além do peso da responsabilidade do
nome do arquiteto, quando chamado para um projeto de restaurar uma igreja
antiga e com obras inestimáveis, tem nas mudanças da rotina que o faz refletir,
pensar no filho que está nascendo e nas dores lombares de avô para neto. Mas
seu problema maior que o deixa em crise é a descoberta do cemitério clandestino
no terreno da herança familiar.
Obra foi uma
questão de urgência para o cineasta: "Eu tinha que fazer esse filme. Ele
tinha que ser o primeiro, pois eu queria muito falar da minha relação com São
Paulo. Para mim, a cidade só pensa no cotidiano, no novo, não sabe lidar com o
que veio antes", afirmou. Mas o cineasta desperdiça talentos como Irandhir
e Júlio Andrade, este muito mal aproveitado, numa atuação longe da habitual; já
o ator pernambucano está caricato e sem expressão convincente, por falta de uma
construção de um personagem adequado com a trama da cidade retratada como opressiva
para causar claustrofobia. Mas nada disso acontece, diante de um roteiro frágil
e inconsistente na falta de um ritmo condizente, através de cenas insossas e
longas em planos apanhados de maneira distante, desnecessários e sem
convencimento na plateia.
O filme tem de bom o primoroso som de Fabio Baldo, pela
constância para criar um desequilíbrio emocional das máquinas que induzem um
trabalho diário irritante, mas acaba por se perder na parafernália ideológica criada
pelo realizador, que admite a inspiração para a sonosplastia dos filmes de
David Lynch. Mas não passa disto, porque qualquer comparação mais aprofundada é
pura heresia e insulto ao velho mestre. Nem a linguagem estética experimentada pelo
cineasta em seus elogiados curtas estão presentes no longa, que até tem um
embrião filosófico considerável como a cidade emparedada por todos os lados.
Graziosi não se debruça especificamente num ângulo reflexivo
como os aspectos típicos de uma outra São Paulo, deixa o filme naufragar por
estar solto e sem qualquer emoção de cinema, foge do foco inicial, migra do
nascimento para a descoberta inusitada e a dor física com a sentimental. Falta
profundidade nos temas elencados, diante de uma rasa abordagem inodora e insípido
pela falta de dinamismo estrutural do roteiro com o desenrolar da história,
onde havia elementos com bastantes subsídios para dar uma melhor resposta,
sucumbe diante de uma desarmonia e uma mistura de ingredientes que tornaram Obra insatisfatório, exceto os dois
acertos: fotografia e som.
Debate em São Paulo
Após a exibição do filme, o diretor Gregorio Graziosi com
sua equipe técnica, entre eles o fotógrafo e montador, participaram de um
bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que os atores
tinham liberdade para opinar e escolher alguns lugares- chave para filmar; ressaltou
como importante ter realizado desenhos para construir e colocar o plano do
longa como realidade; falou da opressão da cidade de São Paulo que todos sentem
e o papel importante das janelas e corredores para a comunicação com o espaço
externo; a ideia do tema veio após filmarem quatro curtas no período da
faculdade, para a partir daí se chegar finalmente no primeiro longa filmado e
concluído em 2013; reescreveria a cena final novamente, mas que, ainda assim,
tem orgulho junto com a equipe do trabalho realizado, porque foi o melhor que
puderam fazer.
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