terça-feira, 28 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (Obra)















Obra

Decepciona de certa maneira na 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo a aguardada promessa Obra, do cineasta paulistano estreante Gregorio Graziosi, responsável pelo roteiro com Paolo Gregori, dirigiu diversos curtas, entre eles Saba (2007), exibido em Cannes; escreveu o roteiro de Boa Sorte, Meu Amor (2012), de Daniel Aragão. O filme foi premiado no Festival do Rio com o prêmio FIPRESCI e ganhou na categoria de melhor fotografia pelo competente André Brandão. Está longe de um resultado melhor, tendo em vista que o longa não deslancha, vacila e tropeça numa montagem equivocada por uma estrutura irregular e sem força. Tem previsão de estreia no Brasil somente para março de 2015, antes passara no Festival Internacional de Toronto como o único representante brasileiro selecionado.

O cenário da trama é São Paulo, às vésperas do nascimento do primeiro filho do arquiteto João Carlos (Irandhir Santos). Seu mestre de obras (Julio Andrade) encontra uma ossada na construção que está prestes a iniciar e a descoberta desestabiliza os sonhos profissionais do protagonista, fazendo com que ele questione até mesmo a profissão e a cidade em que vive. Tudo se complica ainda mais quando vem à tona que o terreno é do avô, que tem uma condição de vida vegetativa e mora com os pais dele numa casa litorânea. Bem longe da metrópole poluída e barulhenta de um cenário acinzentado de prédios em construções gigantescas cobertas por uma névoa de poeira no céu, eis um dos acertos do longa, através da instigante fotografia em preto e branco para desglamourizar a cidade e dar um tom de uma selva de pedras.

O tom de opressão proposto logo se esvai, quando enredo se perde num emaranhado estéril, ao misturar o relacionamento com a sua mulher (Lola Peploe), que também dá seu pitaco e menciona indícios de indígenas como um tesouro arqueológico ali depositado. Além do peso da responsabilidade do nome do arquiteto, quando chamado para um projeto de restaurar uma igreja antiga e com obras inestimáveis, tem nas mudanças da rotina que o faz refletir, pensar no filho que está nascendo e nas dores lombares de avô para neto. Mas seu problema maior que o deixa em crise é a descoberta do cemitério clandestino no terreno da herança familiar.

Obra foi uma questão de urgência para o cineasta: "Eu tinha que fazer esse filme. Ele tinha que ser o primeiro, pois eu queria muito falar da minha relação com São Paulo. Para mim, a cidade só pensa no cotidiano, no novo, não sabe lidar com o que veio antes", afirmou. Mas o cineasta desperdiça talentos como Irandhir e Júlio Andrade, este muito mal aproveitado, numa atuação longe da habitual; já o ator pernambucano está caricato e sem expressão convincente, por falta de uma construção de um personagem adequado com a trama da cidade retratada como opressiva para causar claustrofobia. Mas nada disso acontece, diante de um roteiro frágil e inconsistente na falta de um ritmo condizente, através de cenas insossas e longas em planos apanhados de maneira distante, desnecessários e sem convencimento na plateia.

O filme tem de bom o primoroso som de Fabio Baldo, pela constância para criar um desequilíbrio emocional das máquinas que induzem um trabalho diário irritante, mas acaba por se perder na parafernália ideológica criada pelo realizador, que admite a inspiração para a sonosplastia dos filmes de David Lynch. Mas não passa disto, porque qualquer comparação mais aprofundada é pura heresia e insulto ao velho mestre. Nem a linguagem estética experimentada pelo cineasta em seus elogiados curtas estão presentes no longa, que até tem um embrião filosófico considerável como a cidade emparedada por todos os lados.

Graziosi não se debruça especificamente num ângulo reflexivo como os aspectos típicos de uma outra São Paulo, deixa o filme naufragar por estar solto e sem qualquer emoção de cinema, foge do foco inicial, migra do nascimento para a descoberta inusitada e a dor física com a sentimental. Falta profundidade nos temas elencados, diante de uma rasa abordagem inodora e insípido pela falta de dinamismo estrutural do roteiro com o desenrolar da história, onde havia elementos com bastantes subsídios para dar uma melhor resposta, sucumbe diante de uma desarmonia e uma mistura de ingredientes que tornaram Obra insatisfatório, exceto os dois acertos: fotografia e som.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, o diretor Gregorio Graziosi com sua equipe técnica, entre eles o fotógrafo e montador, participaram de um bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que os atores tinham liberdade para opinar e escolher alguns lugares- chave para filmar; ressaltou como importante ter realizado desenhos para construir e colocar o plano do longa como realidade; falou da opressão da cidade de São Paulo que todos sentem e o papel importante das janelas e corredores para a comunicação com o espaço externo; a ideia do tema veio após filmarem quatro curtas no período da faculdade, para a partir daí se chegar finalmente no primeiro longa filmado e concluído em 2013; reescreveria a cena final novamente, mas que, ainda assim, tem orgulho junto com a equipe do trabalho realizado, porque foi o melhor que puderam fazer.

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