O Pequeno Quinquin
Uma das agradáveis surpresas da 38ª. Mostra de Cinema em São
Paulo é o magnífico O Pequeno Quinquin,
originalmente foi exibido como uma minissérie de TV, dirigido pelo competente francês
Bruno Dumont, que assinou também o roteiro. Tem em sua filmografia A vida de
Jesus (1993), vencedor do Prêmio do Júri Internacional na 21ª Mostra e do
prêmio Caméra d’Or no Festival de Cannes; A
Humanidade (1999), vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes; 29 Palms
(2003); Flandres (2006), Grande Prêmio do Júri em Cannes; O Pecado de Hadewijch (2009), Fora de Satã (2011) e Camille Claudel 1915 (2013). Nesta sua
última realização o mote da trama é a inusitada descoberta de uma vaca morta
preenchida com restos humanos dentro de um galpão alemão abandonado após a
Segunda Guerra Mundial. Outros crimes se sucederão na atmosfera criada em torno
daquele lugar com seus mistérios contagiantes pelos intrigantes fatos que
desfilarão nos 200 minutos que passam rapidamente, com o auxílio da fulgurante
fotografia de Guillaume Deffontaine.
Dumont é tipicamente um diretor de ator e seu elenco é basicamente de amadores em seus longas. Anteriormente teve um olhar bem atento para a religião e a fé fervorosa, como no drama sobre a triste trajetória de vida da escultora que empresta seu nome ao título Camille Claudel 1915 (2013), revela-se um estudioso da paixão mística, ao abordar com grande sensibilidade o extremismo religioso, fez uma análise avassaladora sobre o Cristianismo, na qual a devoção e o amor ao propalado Deus pertence ao irmão tresloucado pregando uma igreja que sustenta como o ser maior. Assim foi também com O Pecado de Hadewijch (2010), retrata uma jovem da classe alta que deseja ser freira e tem um envolvimento com dois irmãos muçulmanos. Ela, uma católica que tem vocação, mas entra em conflito ao descobrir outras religiões, descobrindo a fé e os conceitos de devoção contrários ao catolicismo pragmático que conhece e testa sua fervorosa e ardente obsessão, tendo como lema a obstinação pela igreja.
Dumont é tipicamente um diretor de ator e seu elenco é basicamente de amadores em seus longas. Anteriormente teve um olhar bem atento para a religião e a fé fervorosa, como no drama sobre a triste trajetória de vida da escultora que empresta seu nome ao título Camille Claudel 1915 (2013), revela-se um estudioso da paixão mística, ao abordar com grande sensibilidade o extremismo religioso, fez uma análise avassaladora sobre o Cristianismo, na qual a devoção e o amor ao propalado Deus pertence ao irmão tresloucado pregando uma igreja que sustenta como o ser maior. Assim foi também com O Pecado de Hadewijch (2010), retrata uma jovem da classe alta que deseja ser freira e tem um envolvimento com dois irmãos muçulmanos. Ela, uma católica que tem vocação, mas entra em conflito ao descobrir outras religiões, descobrindo a fé e os conceitos de devoção contrários ao catolicismo pragmático que conhece e testa sua fervorosa e ardente obsessão, tendo como lema a obstinação pela igreja.
Agora, nesta comédia dramática, vai ao encontro de temas
polêmicos, como o racismo e a xenofobia francesa pela visão da infância
deturpada pelos adultos, num painel construído com um roteiro bem engendrado,
com soluções nada convencionais. A cinematografia francesa é pródiga em
realizar filmes sobre crianças, com uma abordagem marcada pelas traquinagens
gostosas, mostra o lado sadio e debruça-se sobre os problemas de maneira
eloquente, sem as basbaquices encontradas em realizadores norte-americanos que
preferem elevar num patamar superestimado ou subestimar no geral. Assim foi com
O Pequeno Nicolau (2010), dirigido
por Laurent Tirard; François Truffaut, o precursor da Nouvelle Vague, esteve
soberbo em Os Incompreendidos (1959)
e Na Idade da Inocência (1976), dramas
mostrando a transição da infância para adolescência. Outro memorável filme
sobre a infância é O Balão Vermelho (1956),
de Albert Lamorisse, fábula infantil do menino que solta o balão de um poste em
Paris e dali para frente é seguido pelo objeto. Já em 1953, com o média-metragem
O Cavalo Branco, Lamorisse fez outro
filme magistral sobre infância. Do Irã temos o não menos excelente O Balão Branco (1995), de Jafar Panahi.
O Pequeno Quinquin
flutua da comicidade sutil com leveza para o rigor formal e técnico de
situações escabrosas. Os personagens têm vida e demonstram fragilidades,
arrogância, luxúria e ego inflado, como o capitão de polícia alemã Van der
Weyden (Bernard Pruvost- uma atuação extraordinária) é um atrapalhado nas
investigações, tem a autoestima nas alturas, um careteiro com tiques nervosos,
embora inteligente é um paspalho que obtém poucos resultados práticos, numa
bela sátira ao Nazismo pós-guerra. Lembra em algumas cenas o inesquecível inspetor
Jacques Clouseau (Peter Sellers), da série A
Pantera Cor-de-Rosa. O parceiro de Weyden é o folclórico Carpentier (Philippe
Jore), um exibicionista no trânsito, com seus dois dentinhos apenas cria uma
figura caricata alemã, simbolizando assim como seu colega o pior da herança que
Hitler deixou. Enquanto buscam respostas, eles são seguidos pelo travesso
Quinquin (Alane Delhaye), filho de uma família enigmática e racista, numa singular
metáfora sobre a França conservadora com uma população sulista xenofóbica. Todos
os personagens que mantêm algum tipo de relação com imigrantes impuros raciais terão
seus destinos ceifados tragicamente, como uma dádiva maldita deixada pela guerra.
O garoto tem ódio nos olhos e uma aversão pelos muçulmanos que entende não
coadunar com os franceses de olhos azuis. Cria confusão por onde passa junto
com seus amigos, tem uma namoradinha (Lucy Caron) que toca trombeta e também será
uma das que terá um familiar morto estupidamente.
O filme flui por uma dramaticidade de forma autêntica e
demolidora sobre um ambiente carregado de certa forma, em especial para os
imigrantes e os que ousam avançar nas relações pessoais numa região conservadora,
serão punidos para dar o exemplo de moralidade, como em O Porto (2011), de Aki Karismäki, ou no instigante Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret.
Drumont coloca as relações infiéis e os relacionamentos com imigrantes num
plano de absoluta discórdia de uma moral velhaca ultrapassada, como se lançasse
um olhar de misericórdia e esperança, sendo realista e menos otimista que
Claire Denis em Minha Terra, África
(2009); ou do arrasador O Segredo Grão
(2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke. Um
soberbo questionamento sobre a política xenofóbica aplicada institucionalmente
nos EUA, derivando daí o ódio entre as raças também pela Europa. Um libelo
contra a intransigência racial dos povos.
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