terça-feira, 21 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (Com Outros)


Com Outros

O Irã se faz presente na 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo através do pouco eficiente filme Com Outros, do jovem cineasta estreante em longas Nasser Zamiri. É uma abordagem intimista de pouco lirismo sobre maternidade e prisão num mundo em transformação cada vez mais violento e desregrado, ao expor a desonra numa família muçulmana com seus dogmas e tradições culturais, diante da gravidez inesperada da esposa do companheiro preso em Teerã, o que não é muito normal para uma mulher, em face da intransponível fé religiosa.

O ponto de partida está centrado no relacionamento de Arezoo (Leila Zare- a linda atriz iraniana) com o marido Amir-Hossein (Babak Hamidian). O casal entra em crise quando descobre que não pode ter filhos. Há uma obstinação desenfreada da jovem esposa em ter uma criança, custe o que custar, com o apoio explícito do esposo, porém sob a vigilância de sua mãe intrometida e sempre pronta para fustigar a relação. Só existe uma solução: uma barriga de aluguel, para isto convence Tahereh (Hengameh Ghaziani), amiga próxima e colega de trabalho de um hospital, que pode abrir um novo horizonte na vida deles. Mas quando Yaghoub, o ex-marido de Tahereh, sai esporadicamente da prisão, haverá uma complicação familiar insustentável.

Um filme que fala da obsessão e o amor incondicional pelo nascimento de um filho, uma contida ternura entre o casal e a dificuldades de tomar esta atitude mais ousada. Entre eles está o sogro e ao mesmo tempo tio da mãe de aluguel com seu carinho pela mulher que sustenta bravamente os dois filhos da relação, por culpa dele que aproximou e incentivou um casamento que está marcado pela separação, diante do desatino de Yaghoub que cumpre uma pena por um crime não revelado. Uma trama que parece ingênua, quase simbólica de primos apaixonados ou casados por circunstâncias.

É uma singela amostragem pouco satisfatória contra a opressão machista diante da posição da mulher num papel meramente secundário, sem nenhum poder de interferência ou tentativa de marcar posição na sociedade muçulmana dominada eminentemente pelos homens. A atitude do casal em busca do filho é consciente dos terríveis riscos que correm pela quebra dos tabus e regras sociais. Há um romantismo inconsistente entre os dois e tudo vai bem até a descoberta da gravidez e a recusa em esclarecer ou assumir a situação caótica proporcionada.

O clima de tensão é frouxo, o diretor estreante vacila e não avança, por isto nada acontece. Fica a sugestão de optar entre a honra da família para manter a preservação como se fosse uma instituição, ou o fato escondido sem muitas digressões com total ausência de profundidade, sem o efeito de romper a continuidade de uma farsa pela mudança do enredo tênue e vacilante para alternativas esclarecedoras naquela comunidade conservadora e obediente aos dogmas religiosos, além dos tradicionais usos e costumes preponderantes.

Um drama com uma linguagem simples e ineficiente, com um poder de fogo menor ainda, em que o cineasta reflete a condição feminina de forma precária. É dada pouca ênfase ao tema proposto, omite a voz da mulher que poderia ter sonhos e ilusões. Mesmo que esteja na condição de vítima diante da protagonista, uma pessoa egoísta, mas que age com dedicação e determinação dentro de uma sociedade conservadora pelos bons costumes na predominância de atitudes e decisões eminentemente dos homens, inexiste a contestação mais específica.

O filme Com Outros não está à altura das obras iranianas voltadas para uma análise social digna desta escola exemplar de cinema, tendo em vista uma trama com o olhar feminino sem partir para o confronto ou colocar a dualidade de choque de ideias e posições naquela sociedade estereotipada sobre a cultura e a violência diante da desonra familiar pela gravidez, não é uma proposta a ser discutida para romper a barreira da passividade feminina. É um equivocado relato sobre a mulher ameaçada constantemente de estar infringindo as leis machistas nesta obra de resultado pífio e sem autonomia pela busca da dignidade, incluindo-se nas realizações de formato experimental pela desconstrução estrutural de uma narrativa com grandes distorções.

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