sábado, 25 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (Alentejo, Alentejo)

























Alentejo, Alentejo

Vem de Portugal outro interessante filme na 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo, o documentário Alentejo, Alentejo, com direção e roteiro do paulistano Sérgio Tréfaut, ex-assistente de vários diretores portugueses. Estreou com o curta Alcibiades (1991), realizou os documentários Fleurette (2002), Lisboetas (2004) e A Cidade dos Mortos (2009), tendo no longa-metragem Viagem a Portugal (2011) a única experiência na ficção. O documentarista faz um retrato digno de dezenas de grupos amadores que se reúnem regularmente na cidade que dá título ao filme, ao sul do Rio Tejo. Ali, ensaiam antigos cantos polifônicos e improvisam modinhas contemporâneas, numa instigante viagem musical por um modo peculiar de expressão e paixão dos seus intérpretes, através da bela fotografia de João Ribeiro.

O “cante” nasceu nas tabernas e nos campos, entre camponeses e mineiros, repassado ao longo de várias gerações como um criativo e real lamento choroso das canções. Nas últimas décadas, novos grupos apareceram na periferia de Lisboa e em diversos países para onde os alentejanos emigraram. Miguel Gomes realizou o similar magnífico Aquele Querido Mês de Agosto (2008), com duas horas e meia de duração, recebeu inclusive o prêmio da crítica na Mostra de São Paulo, com filmagens em Argamil, na região central de Portugal, próximo de Coimbra. Apresentou inicialmente um país não globalizado, em que o mês de agosto é marcado pelas festas típicas nos bucólicos lugarejos entre a serra e o interior, com seus grupos musicais tradicionais nos festivais de verão. Buscou uma banda folclórica que aceitou ser filmada em suas atividades e apresentações, uma boa mescla com suas complexidades que lembrou o admirável Nashville (1975), de Robert Altmann, que tinha como palco vários acontecimentos durante a Guerra do Vietnã.

Também Manoel de Oliveira faz uma pequena incursão pela cantoria folclórica em O Estranho Caso de Angélica (2010), onde a música é cantada em forma de fado pelo capataz para os lavradores num trabalho subalterno e arcaico, mas determinados em aplainar as terras dos vinhedos com as foices para carpir e ceifar vidas, estampadas nas fotografias que emolduram o painel bonito, num canto melódico e triste de uma melancolia prenunciando o instinto da partida definitiva. Tréfaut cria um clima saudável na inversão de papéis, mistura o realismo com o imaginário, num exercício mental delicioso dos limites propostos da ficção para o puro documentário e vice-versa.

O cineasta peca por cenas longas com explicações didáticas, deixa o ritmo quebrar pela excessiva conversação repetitiva, mas não invalida esta boa contribuição sobre o folclore e o desemprego no país, contadas com ardor e dor, falando da morte que se aproxima ou já deixou rastros. O diretor uruguaio Ricardo Casas realizou com melhor resultado objetivo em El Padre de Gardel (2013), sem falar no estilo do veterano documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, morto neste ano de forma trágica, o melhor de todos, pela genialidade na técnica de entrevistar e ouvir os personagens do povo no seu vasto painel humano. Deixava fluir o tema com brilho e elegância.

Alentejo, Alentejo é um filme preocupado com o povo que sofre com o desemprego torturante que reina naquela região. Ali há muitas terras improdutivas que poderiam dar o pão que vem da terra, ressaltado com entusiasmo nos cânticos tradicionais que enaltecem a situação caótica, através de uma crítica pontual ao sistema de governo desumano implantado sem dar alternativas às crises recentes em toda Europa. Torna-se mais palatável quando as crianças se manifestam em aula e dizem que seus avôs foram embora para o exterior, buscando emprego na França e Suíça.

Eis um bom filme que contribui neste registro interessante sobre a cultura e a história dos alentejanos. São jovens que se esmeram para seguir o legado dos pais, sem se importarem em divulgar o cântico dos sábios velhos sonhadores nativos daquele lugar. São bem eficazes os moradores contando suas histórias e situações típicas, registrando tudo aquilo que achava interessante sem ter um personagem central, captando sons e as belas imagens da região com seus locais pitorescos que fundamentalmente gira em torno dos acasos e das situações genéricas e peculiares com as idiossincrasias regionais. O melhor é se deixar levar pelas melodias lusitanas com sua tradição.

Nenhum comentário: