Alentejo, Alentejo
Vem de Portugal outro interessante filme na 38ª. Mostra de
Cinema de São Paulo, o documentário Alentejo,
Alentejo, com direção e roteiro do paulistano Sérgio Tréfaut, ex-assistente
de vários diretores portugueses. Estreou com o curta Alcibiades (1991), realizou os documentários Fleurette (2002), Lisboetas
(2004) e A Cidade dos Mortos (2009),
tendo no longa-metragem Viagem a Portugal
(2011) a única experiência na ficção. O documentarista faz um retrato digno de dezenas
de grupos amadores que se reúnem regularmente na cidade que dá título ao filme,
ao sul do Rio Tejo. Ali, ensaiam antigos cantos polifônicos e improvisam modinhas
contemporâneas, numa instigante viagem musical por um modo peculiar de
expressão e paixão dos seus intérpretes, através da bela fotografia de João Ribeiro.
O “cante” nasceu nas tabernas e nos campos, entre camponeses
e mineiros, repassado ao longo de várias gerações como um criativo e real lamento
choroso das canções. Nas últimas décadas, novos grupos apareceram na periferia
de Lisboa e em diversos países para onde os alentejanos emigraram. Miguel Gomes
realizou o similar magnífico Aquele
Querido Mês de Agosto (2008), com duas horas e meia de duração, recebeu
inclusive o prêmio da crítica na Mostra de São Paulo, com filmagens em Argamil,
na região central de Portugal, próximo de Coimbra. Apresentou inicialmente um
país não globalizado, em que o mês de agosto é marcado pelas festas típicas nos
bucólicos lugarejos entre a serra e o interior, com seus grupos musicais
tradicionais nos festivais de verão. Buscou uma banda folclórica que aceitou
ser filmada em suas atividades e apresentações, uma boa mescla com suas
complexidades que lembrou o admirável Nashville
(1975), de Robert Altmann, que tinha como palco vários acontecimentos durante a
Guerra do Vietnã.
Também Manoel de Oliveira faz uma pequena incursão pela
cantoria folclórica em O Estranho Caso de
Angélica (2010), onde a música é cantada em forma de fado pelo capataz para
os lavradores num trabalho subalterno e arcaico, mas determinados em aplainar
as terras dos vinhedos com as foices para carpir e ceifar vidas, estampadas nas
fotografias que emolduram o painel bonito, num canto melódico e triste de uma
melancolia prenunciando o instinto da partida definitiva. Tréfaut cria um clima
saudável na inversão de papéis, mistura o realismo com o imaginário, num
exercício mental delicioso dos limites propostos da ficção para o puro documentário
e vice-versa.
O cineasta peca por cenas longas com explicações didáticas,
deixa o ritmo quebrar pela excessiva conversação repetitiva, mas não invalida
esta boa contribuição sobre o folclore e o desemprego no país, contadas com
ardor e dor, falando da morte que se aproxima ou já deixou rastros. O diretor
uruguaio Ricardo Casas realizou com melhor resultado objetivo em El Padre de Gardel (2013), sem falar no
estilo do veterano documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, morto neste ano
de forma trágica, o melhor de todos, pela genialidade na técnica de entrevistar
e ouvir os personagens do povo no seu vasto painel humano. Deixava fluir o tema
com brilho e elegância.
Alentejo, Alentejo é
um filme preocupado com o povo que sofre com o desemprego torturante que
reina naquela região. Ali há muitas terras improdutivas que poderiam dar o pão
que vem da terra, ressaltado com entusiasmo nos cânticos tradicionais que
enaltecem a situação caótica, através de uma crítica pontual ao sistema de
governo desumano implantado sem dar alternativas às crises recentes em toda
Europa. Torna-se mais palatável quando as crianças se manifestam em aula e
dizem que seus avôs foram embora para o exterior, buscando emprego na França e
Suíça.
Eis um bom filme que contribui neste registro interessante
sobre a cultura e a história dos alentejanos. São jovens que se esmeram para
seguir o legado dos pais, sem se importarem em divulgar o cântico dos sábios
velhos sonhadores nativos daquele lugar. São bem eficazes os moradores contando
suas histórias e situações típicas, registrando tudo aquilo que achava
interessante sem ter um personagem central, captando sons e as belas imagens da
região com seus locais pitorescos que fundamentalmente gira em torno dos acasos
e das situações genéricas e peculiares com as idiossincrasias regionais. O
melhor é se deixar levar pelas melodias lusitanas com sua tradição.
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