A Ilha do Milharal
A 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo tem no ótimo filme A Ilha do Milharal, o grande
representante da Geórgia, no segundo longa-metragem de George Ovashvilli, que
também assina o roteiro conjuntamente com Nuzgar Shataidze e Roelof-Jan Minneboo,
tinha realizado anteriormente The Other
Bank (2009). Venceu com seu último filme o prêmio desta categoria no Festival
Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na RepúblicaTcheca. Aborda os
conflitos de maneira criativa um fato triste entre duas nações em permanente
disputa, tendo no meio dois seres vítimas do descalabro social.
A trama gira em torno de um velho camponês georgiano (Ilyas
Salman), que se muda com a neta adolescente (Mariam Buturishvili) para uma
pequena e deserta ilha no meio do Rio Enguri, cenário de sangrentas lutas, que forma
a fronteira entre a Geórgia e a Abecásia, esta em ampla luta para separar-se da
Rússia e buscar uma república independente. O clima é de tensão permanente na
região em conflito entre as duas nações que se mantém desde a guerra de 1992 a 1993. Mas lá o velhinho
constrói sua cabana paupérrima com cobertura de capim, paredes de madeira em
mau estado, com um piso direto na terra. Os soldados estão espalhados por todos
os lados e a menina é alvo de muitos deles, por olhares e sorrisos candentes.
Até que numa noite qualquer aparece um deles ferido (Irakli Samushia), causando
alguns transtornos e perseguição de grupos contrários. Mas era só o começo de
uma situação incontrolável, porque o drama sobe com o tensionamento do clímax
bem conduzido.
Avô e neta aram o solo e semeiam com carinho o milho na boa
terra, que logo germina e proporciona uma colheita invejável. Aquele rio tem
fama de destruir tudo o que nele é construído, devido ao seu ciclo natural das
águas pelas enxurradas, mesmo alertado pelo policial-chefe da guarda costeira
russa (Tamer Levent) sobre os perigos iminentes do local, ali instalados
refutam sair e levam uma vida aparentemente tranquila. Toda primavera, o rio
leva o solo fértil entre os países conflitados, criando pequenas ilhas,
pequenas terras de ninguém, como determina o ciclo natural das águas daquela
região. A garota se transforma em uma mulher, o milho amadurece e a enxurrada
vem com fúria devastadora pela tempestade aguardada na paradisíaca ilha que sofre
com a fúria incontrolável da natureza, diante dos fatores climáticos externos
que colocam mais desgraça no seio familiar com danos trágicos.
Ovashvilli tem méritos inegáveis na construção magnífica
deste drama social com deformações da guerra. Dá aos personagens vida e
estrutura psicológica, traçando perfis condizentes daquele universo em luta
constante. Há um cenário bucólico, mas paradoxalmente intrigante pelo ponto de
vista do suspense sobre o dia inesperado do amanhã, quase que assustador, pois
traz uma violência contida que brota das árvores e do silêncio sepulcral do rio,
como um ataque iminente na espreita daquele lugar aprazível aparentemente. É
deslumbrante as imagens captadas pela fotografia da competente Elemér Ragályi,
pois solidifica o enxuto roteiro elaborado por um naturalismo de fascínio
compensador pela artesanal edificação da casinha modesta, desde o lançamento da
simbólica pedra fundamental com ternura e afeto, até a complementação da obra
que se mistura na natureza.
A Ilha do Milharal é altamente interessante como contribuição significativa pelo cinema, com uma
estética singular. O realizador busca elementos que indicam uma crise que dá
rumo e destino após a procura da sobrevivência na ilha da esperança, mas o que está
em jogo é uma guerra interminável vista como um despropósito aterrador que
danifica e esmaga os sentimentos humanos de vidas inocentes sendo ceifadas. Os
horrores das batalhas causam uma falta de comida imensurável para os povos
devastados, resultante de governos belicistas pelo mundo, mais preocupados com
interesses próprios.
O drama comovente retrata os efeitos de disputas
encarniçadas sem vencedor, num cenário em que está presente o rigor militar
brutalizado como besta humana, como na figura simbólica do soldado que comanda
a pequena tropa no seu barco de combate. Uma bela metáfora da sociedade pelo
olhar melancólico da garotinha e do desconfiado avô e seu sofrimento de dor
pela solidão e a fome por falta de subsistência, que encontra guarida no milho.
O filme fascina pelo movimento interessante da câmera em bons planos longos, com
imagens de um neo-realismo de grandes filmes do cinema.
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