quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (A Ilha do Milharal)


A Ilha do Milharal

A 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo tem no ótimo filme A Ilha do Milharal, o grande representante da Geórgia, no segundo longa-metragem de George Ovashvilli, que também assina o roteiro conjuntamente com Nuzgar Shataidze e Roelof-Jan Minneboo, tinha realizado anteriormente The Other Bank (2009). Venceu com seu último filme o prêmio desta categoria no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na RepúblicaTcheca. Aborda os conflitos de maneira criativa um fato triste entre duas nações em permanente disputa, tendo no meio dois seres vítimas do descalabro social.

A trama gira em torno de um velho camponês georgiano (Ilyas Salman), que se muda com a neta adolescente (Mariam Buturishvili) para uma pequena e deserta ilha no meio do Rio Enguri, cenário de sangrentas lutas, que forma a fronteira entre a Geórgia e a Abecásia, esta em ampla luta para separar-se da Rússia e buscar uma república independente. O clima é de tensão permanente na região em conflito entre as duas nações que se mantém desde a guerra de 1992 a 1993. Mas lá o velhinho constrói sua cabana paupérrima com cobertura de capim, paredes de madeira em mau estado, com um piso direto na terra. Os soldados estão espalhados por todos os lados e a menina é alvo de muitos deles, por olhares e sorrisos candentes. Até que numa noite qualquer aparece um deles ferido (Irakli Samushia), causando alguns transtornos e perseguição de grupos contrários. Mas era só o começo de uma situação incontrolável, porque o drama sobe com o tensionamento do clímax bem conduzido.

Avô e neta aram o solo e semeiam com carinho o milho na boa terra, que logo germina e proporciona uma colheita invejável. Aquele rio tem fama de destruir tudo o que nele é construído, devido ao seu ciclo natural das águas pelas enxurradas, mesmo alertado pelo policial-chefe da guarda costeira russa (Tamer Levent) sobre os perigos iminentes do local, ali instalados refutam sair e levam uma vida aparentemente tranquila. Toda primavera, o rio leva o solo fértil entre os países conflitados, criando pequenas ilhas, pequenas terras de ninguém, como determina o ciclo natural das águas daquela região. A garota se transforma em uma mulher, o milho amadurece e a enxurrada vem com fúria devastadora pela tempestade aguardada na paradisíaca ilha que sofre com a fúria incontrolável da natureza, diante dos fatores climáticos externos que colocam mais desgraça no seio familiar com danos trágicos.

Ovashvilli tem méritos inegáveis na construção magnífica deste drama social com deformações da guerra. Dá aos personagens vida e estrutura psicológica, traçando perfis condizentes daquele universo em luta constante. Há um cenário bucólico, mas paradoxalmente intrigante pelo ponto de vista do suspense sobre o dia inesperado do amanhã, quase que assustador, pois traz uma violência contida que brota das árvores e do silêncio sepulcral do rio, como um ataque iminente na espreita daquele lugar aprazível aparentemente. É deslumbrante as imagens captadas pela fotografia da competente Elemér Ragályi, pois solidifica o enxuto roteiro elaborado por um naturalismo de fascínio compensador pela artesanal edificação da casinha modesta, desde o lançamento da simbólica pedra fundamental com ternura e afeto, até a complementação da obra que se mistura na natureza.

A Ilha do Milharal é altamente interessante como contribuição significativa pelo cinema, com uma estética singular. O realizador busca elementos que indicam uma crise que dá rumo e destino após a procura da sobrevivência na ilha da esperança, mas o que está em jogo é uma guerra interminável vista como um despropósito aterrador que danifica e esmaga os sentimentos humanos de vidas inocentes sendo ceifadas. Os horrores das batalhas causam uma falta de comida imensurável para os povos devastados, resultante de governos belicistas pelo mundo, mais preocupados com interesses próprios.

O drama comovente retrata os efeitos de disputas encarniçadas sem vencedor, num cenário em que está presente o rigor militar brutalizado como besta humana, como na figura simbólica do soldado que comanda a pequena tropa no seu barco de combate. Uma bela metáfora da sociedade pelo olhar melancólico da garotinha e do desconfiado avô e seu sofrimento de dor pela solidão e a fome por falta de subsistência, que encontra guarida no milho. O filme fascina pelo movimento interessante da câmera em bons planos longos, com imagens de um neo-realismo de grandes filmes do cinema.

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