O Carvalho (Balanta)
Não decepciona a comédia política romena O Carvalho, que tem roteiro e direção de Lucian Pintilie, na 38ª. Mostra de Cinema
em São Paulo. Esta antiga produção de 1991, que levou o batismo anterior de Balanta, é um poderoso retrato da
Romênia antes da queda de Ceausescu, com imagens significativas e contundentes
do fotógrafo Doru Mitran. O veterano diretor estreou com Sunday at 6 (1965), seguido por The
Reconstruction (1968). Querendo escapar da perseguição do governo
comunista, mudou-se para a França em 1973, onde continuou filmando obras como Un été inoubliable (1994) e Terminus Paradis (1998).
A Romênia, antes da queda de Ceausescu, é narrada através da
história de Nela (Maia Morgenstern), filha de um ex-coronel da Securitate, a temida
polícia política daquele país ditatorial. Ao contrário da irmã dependente, ela
se recusa a tornar-se uma agente infiltrada também, ainda que vivendo com seu
pai covarde, herói e patriota, contraditório como todo o regime. Mas, com a
morte dele, muda-se de Bucareste para uma pequena cidade do interior, onde
conhece Mítica (Razvan Vasilescu), um cirurgião famoso e descendente de
italianos que adora rir da vida e de si mesmo, igual a ela, uma mulher que
sempre viveu abafada à sombra da figura paterna conservadora, numa alegoria do
sistema brutalizado vigente por décadas. O médico mantém uma relação estreita
com a figura máxima daquele lugar, o procurador (Dan Condurache), que também é
conflitado com a seriedade, não passa de um atrapalhado na condução de sua comunidade
já incontrolada, assim como o país, dá sinais de debilidade e começa a esboroar.
Um painel construído com um roteiro bem engendrado, com
soluções nada convencionais, com risos fáceis em situações complicadas, até com
dor e sentimentos de perda ou de agressão física desmesurada, típica de um
regime autoritário com performance do ditador que lá se instalou e enraizou-se
no poder, mas que logo começará a afundar como um barco torpedeado. O filme
flutua da comicidade moderada com alguma sutileza para o escracho do formalismo
da arbitrariedade, induzindo para situações escabrosas que acontecem nos
subterrâneos, como o estupro humilhante. Os personagens têm vida própria só na
sátira, pois logo já se demonstram as fragilidades decorrentes que os assolam
na intimidade.
O Carvalho é um questionamento
sobre a política institucional aplicada naquele país, derivando daí o ódio entre
os conterrâneos, satiriza literalmente as incongruências daquele ambiente hostil,
que se distancia cada vez mais da aprovação civilizatória dos valores e da
ética. Há méritos inegáveis na construção correta de Pintilie do tormento
social com deformações de guerrilha, bem apanhadas. Dá aos personagens vida e
estrutura psicológica, traçando perfis condizentes daquele universo em luta
constante num cenário bucólico, mas paradoxalmente aterrador sobre o dia
inesperado do amanhã, quase que assustador, pois traz uma violência contida que
brota como um libelo contra a intransigência. Mostra os desmesurados rituais
desgastantes que sufocam e tiram o ar puro, numa retórica de opulência, também
bem enfatizado pelos protagonistas.
A comédia tem boa fluidez, sem perder a essência dramática
de forma autêntica e demolidora quando se faz necessário, como na instigante
cena do ônibus metralhado com manifestantes acompanhados de crianças
massacradas. Tudo acontece logo após as cinzas do pai serem depositadas sob a
frondosa árvore. Não se suportará os desmandos, causando o conflito bélico como
metáfora de um governo desabando por falta de sustentação política. O almoço do
procurador foi suspenso, pela decorrência da explosão das ruas e da carnificina
de uma redentora contestação de um ideal libertário. Os desatinos e as
falcatruas expostas são zombadas para serem condensadas na história pela ironia
corrosiva que soará como uma exaltação final de uma loucura incontida.
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