segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (O Carvalho)



O Carvalho (Balanta)

Não decepciona a comédia política romena O Carvalho, que tem roteiro e direção de Lucian Pintilie, na 38ª. Mostra de Cinema em São Paulo. Esta antiga produção de 1991, que levou o batismo anterior de Balanta, é um poderoso retrato da Romênia antes da queda de Ceausescu, com imagens significativas e contundentes do fotógrafo Doru Mitran. O veterano diretor estreou com Sunday at 6 (1965), seguido por The Reconstruction (1968). Querendo escapar da perseguição do governo comunista, mudou-se para a França em 1973, onde continuou filmando obras como Un été inoubliable (1994) e Terminus Paradis (1998).

A Romênia, antes da queda de Ceausescu, é narrada através da história de Nela (Maia Morgenstern), filha de um ex-coronel da Securitate, a temida polícia política daquele país ditatorial. Ao contrário da irmã dependente, ela se recusa a tornar-se uma agente infiltrada também, ainda que vivendo com seu pai covarde, herói e patriota, contraditório como todo o regime. Mas, com a morte dele, muda-se de Bucareste para uma pequena cidade do interior, onde conhece Mítica (Razvan Vasilescu), um cirurgião famoso e descendente de italianos que adora rir da vida e de si mesmo, igual a ela, uma mulher que sempre viveu abafada à sombra da figura paterna conservadora, numa alegoria do sistema brutalizado vigente por décadas. O médico mantém uma relação estreita com a figura máxima daquele lugar, o procurador (Dan Condurache), que também é conflitado com a seriedade, não passa de um atrapalhado na condução de sua comunidade já incontrolada, assim como o país, dá sinais de debilidade e começa a esboroar.

Um painel construído com um roteiro bem engendrado, com soluções nada convencionais, com risos fáceis em situações complicadas, até com dor e sentimentos de perda ou de agressão física desmesurada, típica de um regime autoritário com performance do ditador que lá se instalou e enraizou-se no poder, mas que logo começará a afundar como um barco torpedeado. O filme flutua da comicidade moderada com alguma sutileza para o escracho do formalismo da arbitrariedade, induzindo para situações escabrosas que acontecem nos subterrâneos, como o estupro humilhante. Os personagens têm vida própria só na sátira, pois logo já se demonstram as fragilidades decorrentes que os assolam na intimidade.

O Carvalho é um questionamento sobre a política institucional aplicada naquele país, derivando daí o ódio entre os conterrâneos, satiriza literalmente as incongruências daquele ambiente hostil, que se distancia cada vez mais da aprovação civilizatória dos valores e da ética. Há méritos inegáveis na construção correta de Pintilie do tormento social com deformações de guerrilha, bem apanhadas. Dá aos personagens vida e estrutura psicológica, traçando perfis condizentes daquele universo em luta constante num cenário bucólico, mas paradoxalmente aterrador sobre o dia inesperado do amanhã, quase que assustador, pois traz uma violência contida que brota como um libelo contra a intransigência. Mostra os desmesurados rituais desgastantes que sufocam e tiram o ar puro, numa retórica de opulência, também bem enfatizado pelos protagonistas.

A comédia tem boa fluidez, sem perder a essência dramática de forma autêntica e demolidora quando se faz necessário, como na instigante cena do ônibus metralhado com manifestantes acompanhados de crianças massacradas. Tudo acontece logo após as cinzas do pai serem depositadas sob a frondosa árvore. Não se suportará os desmandos, causando o conflito bélico como metáfora de um governo desabando por falta de sustentação política. O almoço do procurador foi suspenso, pela decorrência da explosão das ruas e da carnificina de uma redentora contestação de um ideal libertário. Os desatinos e as falcatruas expostas são zombadas para serem condensadas na história pela ironia corrosiva que soará como uma exaltação final de uma loucura incontida.

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