domingo, 19 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (Acima das Nuvens)


Acima das Nuvens

Um dos bons filmes da 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo é este drama que retrata o passado num presente atual, com deformações do tempo que passa em Acima das Nuvens, de Olivier Assayas, em mais um longa-metragem repleto de inovações e candente crítica ao mundo da indústria cinematográfica mais poderosa do mundo: Hollywood e seus intrincados acontecimentos sui generis, deste cineasta voltado para o momento atual e reflexões sobre uma esfera bem próxima das imperfeições do ser humano e o envelhecimento que não perdoa sequer as grandes divas que perderam o glamour pelos anos que ficaram para trás definitivamente.

O diretor tem uma filmografia digna de um grande realizador no marcante Horas de Verão (2008), na qual mostrou toda sua competência no extraordinário retrato das relações familiares e as transformações no século 20, com o início da globalização, abordou profundamente o fim de uma era de ouro, onde a cultura e a economia eram fatores sólidos e essenciais da velha Europa e a França fazendo parte como um sustentáculo bem consolidado. É responsável pelo épico de 5h30min Carlos (2010), produção inicial para a televisão, enfocando a história da vida de Ilich Ramirez Sanchez, de codinome "Carlos" o Chacal, tendo por ídolo "Che" Guevara, com formação marxista, mostra-se um revolucionário que defende a causa da Palestina, tendo como seu crepúsculo profissional justamente a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, foi um dos terroristas mais procurados no mundo por duas décadas, após diversos atos sanguinários. Depois, debruça-se sobre os reflexos e as consequências danosas e utópicas da juventude sonhadora do pós-maio de 1968 em Depois de Maio (2012), nos anseios pela manutenção da integridade e do núcleo derrotados por uma expressa vontade dos anos que sucederam aquela efervescência e os desfazimentos dos sonhos por bens materiais que ainda afloram, visando um futuro longe da cultura revolucionária almejada e dos valores plantados num país em derrocada.

Assayas constrói com bom vigor a personagem da célebre atriz Maria Enders interpretando Helena (Juliette Binoche- um diva glamourizada no prólogo e transformada numa apagada mulher sem brilho do meio para o final). Uma abordagem que mescla ficção com realidade no desenvolvimento da história, quando entra em cena a assistente Valentine (Kristen Stewart- a insossa atriz da personagem em Crepúsculo que está muito bem neste papel sério de alta compenetração), que se envolve ao extremo na trama, auxiliando a protagonista na atuação que irá fazer na remontagem da peça do dramaturgo Wilhelm Merchior.

Maria que tornou-se famosa há 20 anos no papel da jovem mocinha Sigrid, terá um destaque menor por força das circunstâncias. Em Acima das Nuvens Maria será uma lésbica senhora com instinto suicida que o tempo foi ingrato, em que Assayas retratará com fidelidade e levará ao extremo para o desenlace da estrela decadente, que agora será coadjuvante da esfuziante atriz em ascensão por filmes de ficção científica, a bela Jo-Ann (Chloë Grace Moretz) que fará a personagem que foi da famosa diva de um passado não tão distante, mas inexoravelmente tragado pela velocidade de um mundo à procura de novos supostos talentos de belezas vazias.

Mas o realizador faz um painel complexo e coloca a assistente como uma peça chave na trama, diante de sua intromissão quase que direta no roteiro da remontagem teatral que irá acontecer, inclusive com seus palpites e intromissão direta na escolha da atriz que substituirá a velha estrela, terá participação fundamental e contribuirá para o desenlace da obra. Antes, as duas fazem uma viagem de inspiração dos personagens pelos belos Alpes da Suíça, num cenário estonteante de uma fotografia mágica das lentes do fotógrafo Yorick Le Saux, com um deslumbrante colorido junto aos vales e montanhas indescritíveis.

É inegável a boa crítica retratada com mordacidade aos costumes pouco humanitários de Hollywood para seu rol de astros desgastados, com soluções simples como o uso até o seu descarte. Assim é na utilização de uma emergente bonitinha de poucos recursos técnicos no papel da protagonista, em detrimento de uma veterana, que causará desconforto e um racha na produção por gerar polêmica na construção da controvertida peça. Um filme equilibrado e com nuances de crítica ácida à poderosa indústria cinematográfica norte-americana. Embora haja alguns equívocos técnicos nas elipses, com alguns cortes abruptos e em outras cenas um prolongamento excessivo, deixa uma boa reflexão sobre o tempo que passa e o envelhecimento precoce, como na perseguição pelos paparazzis à atriz ascendente e o esquecimento voluntário de alguém que o futuro engoliu, deixando um olhar sombrio para o mundo das aparências.

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