Acima das Nuvens
Um dos bons filmes da 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo é
este drama que retrata o passado num presente atual, com deformações do tempo
que passa em Acima das Nuvens, de Olivier
Assayas, em mais um longa-metragem repleto de inovações e candente crítica ao
mundo da indústria cinematográfica mais poderosa do mundo: Hollywood e seus
intrincados acontecimentos sui generis,
deste cineasta voltado para o momento atual e reflexões sobre uma esfera bem
próxima das imperfeições do ser humano e o envelhecimento que não perdoa sequer
as grandes divas que perderam o glamour pelos anos que ficaram para trás
definitivamente.
O diretor tem uma filmografia digna de um grande realizador
no marcante Horas de Verão (2008), na
qual mostrou toda sua competência no extraordinário retrato das relações
familiares e as transformações no século 20, com o início da globalização,
abordou profundamente o fim de uma era de ouro, onde a cultura e a economia
eram fatores sólidos e essenciais da velha Europa e a França fazendo parte como
um sustentáculo bem consolidado. É responsável pelo épico de 5h30min Carlos (2010), produção inicial para a
televisão, enfocando a história da vida de Ilich Ramirez Sanchez, de codinome
"Carlos" o Chacal, tendo por ídolo "Che" Guevara, com
formação marxista, mostra-se um revolucionário que defende a causa da
Palestina, tendo como seu crepúsculo profissional justamente a queda do Muro de
Berlim e o fim da Guerra Fria, foi um dos terroristas mais procurados no mundo
por duas décadas, após diversos atos sanguinários. Depois, debruça-se sobre os
reflexos e as consequências danosas e utópicas da juventude sonhadora do
pós-maio de 1968 em Depois de Maio
(2012), nos anseios pela manutenção da integridade e do núcleo derrotados por
uma expressa vontade dos anos que sucederam aquela efervescência e os
desfazimentos dos sonhos por bens materiais que ainda afloram, visando um
futuro longe da cultura revolucionária almejada e dos valores plantados num país
em derrocada.
Assayas constrói com bom vigor a personagem da célebre atriz
Maria Enders interpretando Helena (Juliette Binoche- um diva glamourizada no
prólogo e transformada numa apagada mulher sem brilho do meio para o final). Uma
abordagem que mescla ficção com realidade no desenvolvimento da história,
quando entra em cena a assistente Valentine (Kristen Stewart- a insossa atriz
da personagem em Crepúsculo que está
muito bem neste papel sério de alta compenetração), que se envolve ao extremo
na trama, auxiliando a protagonista na atuação que irá fazer na remontagem da
peça do dramaturgo Wilhelm Merchior.
Maria que tornou-se famosa há 20 anos no papel da jovem
mocinha Sigrid, terá um destaque menor por força das circunstâncias. Em Acima das Nuvens Maria será uma lésbica
senhora com instinto suicida que o tempo foi ingrato, em que Assayas retratará
com fidelidade e levará ao extremo para o desenlace da estrela decadente, que
agora será coadjuvante da esfuziante atriz em ascensão por filmes de ficção
científica, a bela Jo-Ann (Chloë Grace Moretz) que fará a personagem que foi da
famosa diva de um passado não tão distante, mas inexoravelmente tragado pela
velocidade de um mundo à procura de novos supostos talentos de belezas vazias.
Mas o realizador faz um painel complexo e coloca a
assistente como uma peça chave na trama, diante de sua intromissão quase que
direta no roteiro da remontagem teatral que irá acontecer, inclusive com seus
palpites e intromissão direta na escolha da atriz que substituirá a velha estrela,
terá participação fundamental e contribuirá para o desenlace da obra. Antes, as
duas fazem uma viagem de inspiração dos personagens pelos belos Alpes da Suíça,
num cenário estonteante de uma fotografia mágica das lentes do fotógrafo Yorick
Le Saux, com um deslumbrante colorido junto aos vales e montanhas
indescritíveis.
É inegável a boa crítica retratada com mordacidade aos
costumes pouco humanitários de Hollywood para seu rol de astros desgastados,
com soluções simples como o uso até o seu descarte. Assim é na utilização de
uma emergente bonitinha de poucos recursos técnicos no papel da protagonista,
em detrimento de uma veterana, que causará desconforto e um racha na produção
por gerar polêmica na construção da controvertida peça. Um filme equilibrado e
com nuances de crítica ácida à poderosa indústria cinematográfica
norte-americana. Embora haja alguns equívocos técnicos nas elipses, com alguns
cortes abruptos e em outras cenas um prolongamento excessivo, deixa uma boa
reflexão sobre o tempo que passa e o envelhecimento precoce, como na
perseguição pelos paparazzis à atriz
ascendente e o esquecimento voluntário de alguém que o futuro engoliu, deixando
um olhar sombrio para o mundo das aparências.
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