O Reino da Beleza
Outro aguardado filme que não decepcionou na 38ª. Mostra de Cinema
de São Paulo foi o drama O Reino da
Beleza, com direção e roteiro do consagrado canadense Denys Arcand, que
venceu o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes com O Declínio do Império Americano (1986). Dando continuação filmou As
Invasões Bárbaras (2002) que abocanhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Participou com estas duas obras-primas na Mostra de São Paulo, para retornar na
edição 31 com A Era da Inocência
(2007). Agora neste último longa retrata uma grande paixão de um homem casado
que conhece por acaso uma mulher linda, intrigante e sedutora como um
combustível que faltava para explodir uma grande paixão, que revira sua vida e
o abala psicologicamente, uma espécie de atração fatal.
Arcand é um cineasta preocupado basicamente com as mazelas
sociais, entre as quais as más condições hospitalares, além das relações humanas
familiares, como vista na temática de As
Invasões Bárbaras que se dá em torno de um historiador em fase terminal de
um câncer, no qual o filho tenta proporcionar ao pai um final de vida melhor,
com menos sofrimento. Durante o filme se explicita o conflito entre os dois que
há tempos não se viam e que, em razão das circunstâncias, são obrigados a se
reencontrar. À beira da morte e com dificuldades em aceitar seu passado, busca
encontrar a paz no pós-morte com a ajuda contraditória do filho ausente, sua
ex-mulher e velhos amigos.
Mesmo sendo uma realização menor em sua filmografia repleta
de obras magníficas, o filme atual está bem acima da maioria das mediocridades
que são despejadas no mercado cinematográfico. Tem uma trama gostosa e densa ao
mesmo tempo, por mais paradoxal que pareça. Luc (Éric Bruneau) é um jovem
arquiteto talentoso, que tem uma vida aparentemente tranquila com a esposa,
Stéphanie (Mélanie Thierry), em um lugar paradisíaco nas imediações da aprazível
Québec. O casal tem uma casa moderna, são atléticos e praticam vários esportes
como tênis, caça e golfe, participam de jantares com os seletos amigos de sua
roda social, levam uma rotina agradável como poucos. Num dia qualquer ele aceita
ser o membro de um júri de arquitetura em Toronto. Lá, encontra Lindsay (Melanie
Merkosky), a bela e misteriosa organizadora de eventos em Toronto, que fisga o
coração e a alma do marido fiel, até ali.
O novo filme de Arcand é bem coadjuvado pela deliciosa
trilha sonora de Pierre-Philippe Cote e com a primorosa fotografia de Nathalie Moliavko-Visotzky,
captando imagens em lindas locações, como os lagos, campos, rios com
embarcações suntuosas, estações de esqui sendo bafejadas por nevascas, tudo
com belezas naturais de um Canadá festejado. Com uma narrativa pontuada pelo
drama pouco denso familiar, após os acontecimentos do evento e as descobertas
do protagonista, de que sua vida nunca mais será a mesma, o filme dá uma
oscilada no meio pela frieza nórdica, faz perder um pouco o ritmo, para retomar
o clímax e acelerar na reta final, com um pouco mais de emoção pela dor da possível
perda se confrontando com o sentimento de culpa pela traição, seguido da
tentativa de suicídio.
O drama traz no seu bojo as nuances de um romantismo
desbragado, com boa dose de lirismo e sutilezas, mesmo que em situações indesejadas
juntas de um egoísmo, sem grandes reviravoltas e de pouco argumento reflexivo
quanto ao casamento na sua essência e os relacionamentos extraconjugais do
casal, especialmente do marido que valoriza a beleza plástica na sua profissão,
incluindo-se mulheres e casas bem definidas como valoração de coisas supérfluas.
A trama no desfecho revela como uma ode ao Don Juan na nova conquista amorosa e
a criação material quase que num mesmo plano. As crises da mulher bissexual no
aspecto de depressão e transtornos de pânico avançam lentamente, embora haja
delírios e fantasias pouco consistentes, ficam pelo meio do caminho nas perturbações
psiquiátricas incapacitantes que afetam diretamente a relação conjugal, mas caracterizadas
sem muito elã.
O Reino da Beleza pode
não ter um roteiro de grande complexidade, mas faz pensar sobre as futilidades impostas
sobre a beleza como objetivo de discórdia e a transmutação da vida
aparentemente feliz de um casal, teoricamente, é claro. O epílogo em Paris é
antecipado pelo prólogo no reencontro dos velhos e apaixonados amantes. O fim
do casamento não chega a ser questionado com profundidade, deixando
interpretações evasivas sobre o marido que se esconde para aparentar uma
relação normal, mesmo levando sua vida pela metade até certo ponto, como a
corrosiva cena em que abandona a amante no luxuoso hotel e vai se refugiar num
quarto de motel modesto, diante do velho e surrado sentimento de culpa.
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