sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (Memórias de Xangai)



Memórias de Xangai

Jia Zhang Ke dirigiu o instigante Plataforma (2000), seu segundo filme, um drama de três horas de duração, que já abordava os efeitos da abertura capitalista na fechada sociedade chinesa, em que a migração interna parece ser a única alternativa para toda uma geração. No caso, uma trupe de atores que assume outros empregos. No filme seguinte, Prazeres Desconhecidos (2002), tratava dos efeitos dessa abertura nos adolescentes, perdidos entre a cultura de seu país e o ocidente. Seu primeiro filme foi o premiado Pickpocket (1997).

O cineasta chinês agora realizou de forma elegante e sutil este semidocumentário Memórias de Xangai que aborda visceralmente toda revolução cultural e política nesta bela cidade portuária de pequenos barcos e navios majestosos que descem vagarosamente pelo seu rio, em plano-sequência aberto, em câmera lenta aproximada, desenhando um lindo quadro como se fosse pintado pelo impressionista clássico Renoir ou o barroco europeu Rembrant.

Mas Memórias de Xangai não é só beleza plástica, pois traça um painel de lágrimas e recordações, com muitas reminiscências pelos sobreviventes e descendentes daqueles que lutaram pela revolução e independência desta principal e calorosa cidade portuária mais importante da República Popular da China. Os diálogos mostram o que foi e o que é hoje Xangai, com mais de 20 milhões de habitantes, localizada na costa da China Oriental, administrada como um município, com um estatuto de província. Era uma cidade favorável pelo seu porto e com uma das mais abertas ao comércio exterior pelo Tratado de Nanquim, florescendo como um centro comercial, financeiro e de negócios na década de 30.

No entanto, sua prosperidade foi interrompida devido a tomada lenta pelo Japão durante a 2ª. Guerra Sino-Japonesa e após a tomada comunista, em 1949, devido à cessação de investimentos estrangeiros. As reformas econômicas em 1990 resultaram em um intenso desenvolvimento da cidade em 2005, tornando-se o maior porto de carga do mundo. É famosa por seus marcos históricos, como o Bund, o Templo da Idade de Deus, o moderno Centro Financeiro de Pudong, onde está localizada a famosa Torre de Pérola Oriental, por sua reputação como um centro cosmopolita da cultura e da moda, sendo o maior centro comercial e financeiro, descrita como o grande exemplo da pujança de economia.

Até o filme de Michelangelo Antonioni China (1972) é questionado por um depoimento de um simpático chinês estarrecido com a preocupação do cineasta com as coisas do passado que representam o passado atrasado e não o presente novo e alvissareiro. Outros filmes emolduram e inspiram os personagens para dissecarem suas mágoas, lembranças e frustrações de um passado que os atormentam, pois tragaram muitas vidas, com as esperanças sendo retorcidas naquela deprimente guerra civil sanguinária deflagrada para que os irmãos se matassem por uma ideologia arcaica e sem nenhuma glória.

O diretor chinês finca pé e dá seu tom de esperança, naquela cena final em que os personagens já ocidentalizados e divorciados de um sistema comunista sepultado, sobem pelos elevadores naquele prédio de mais de 100 andares, para os altos da torre do capital financeiro, para observarem os barcos descendo por aquele mesmo rio, mostrando em flasbacks um atraso do passado, emoldurados por prédios enormes e majestosos, com os viadutos de um cidade civilizada e próspera.

Com a vitória do comunismo em 1949, milhares de pessoas se refugiaram em Taiwan e Hong Kong, voltando 30 anos depois, com a abertura do capitalismo, enfrentando ainda dureza do regime autoritário e castrador de artistas e a liberdade de opinião, nesta Xangai que conviveu com assassinatos e muitas histórias de amor e desilusões de uma gama heterogênea de seus habitantes, tais como: do revolucionário ao pacificador; do gângster ao intelectual; do capitalista ao comunista; do soldado ao cidadão comum. Um bom semidocumentário que desfila um painel de diversas camadas da sociedade de Xangai, onde pessoas simples e intelectuais dão seus depoimentos humildes e em outros já mais politizados e com suas posições bem definidas politicamente, sobre passado, presente e futuro.

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