quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2



Libelo Contra a Corrupção

Em Tropa de Elite 1 (2007) havia um frenético ranço fascista e perigoso nas estrepolias e sessões de tortura do truculento Capitão Nascimento, do Bope, com os avisos simplórios: "bandido bom é bandido morto", bem como as investidas perigosas contra o estado democrático de direito sofrendo sérios arranhões.

Em Tropa de Elite 2- O Inimigo Agora é Outro, José Padilha acerta a mão em cheio e se consagra definitivamente como um grande cineasta e preocupado com a corrupção em todos os níveis sociais da pirâmide. A começar pela própria Polícia Militar do Rio de Janeiro, com o Capitão Fábio (Milhem Cortaz) assessorado pelo não menos crápula o Major Rocha (Sandro Rocha), mas poderia ser de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco. Enfim, toda ela agoniza de uma doença grave e terminal que é a falência decorrente dos seus integrantes corruptos.

O Capitão que vira o Tenente-Coronel Nascimento (Wagner Moura- novamente impecável) é afastado do Bope e é deslocado para subsecretário da Segurança Pública, após uma fracassada tentativa de abafar uma rebelião no Presídio de Bangu 1 - ao melhor estilo do longa Carandiru (2003), de Hector babenco-, onde seu comandado Mathias (André Ramiro) comete uma atrocidade contra um líder presidiário (Seu Jorge) que lidera a inssurreição, em que estava sob controle do ativista Fraga (Irandhir Santos) que acaba por se eleger deputado, diante de sua atuação pacifista e defensor dos direitos humanos, sendo o mesmo que vive com a ex-mulher de Nascimento, Rosane (Maria Ribeiro) e o seu filho adolescente Rafael (Pedro Van-Held).

O diretor dá uma verdadeira aula sobre as matizes sociais e políticas impregnadas pela maldição da demagogia barata e as facilidades de arrecadar dinheiro de forma ilegal pelas milícias oriundas da polícia, ou de servidores na ativa ou de ex-policiais. Sobra para todo mundo, até mesmo o ex-"aspira" e honesto Mathias dá sua derrapada e envolve-se perigosamente com a escória da Polícia Militar do Rio de Janeiro, ingressando involuntariamente nos caminhos dos milicianos que cobram pedágio dos traficantes nas favelas, paga seu preço com o bem maior de qualquer indivíduo.

O sumiço com a "queima de arquivo" da jornalista investigativa tem como inspiração maior o destino trágico do repórter global Tim Lopes, no ritual bárbaro de incinerar o cadáver e arrancar meticulosamente toda a arcada dentária. Mas a política é o alvo principal de Padilha neste Tropa de Elite 2, ao abordar e dilacerar as estruturas de um sistema corrompido por votos e dinheiro. Ninguém fica impune ou salva-se, tem para todos os gostos, como o secretário de Segurança, o governador carioca e o deputado corrupto, o apresentador Fortunato (André Mattos) de um programa sensacionalista de TV; todos patrocinados diretamente pelo dinheiro sujo arrecadado pelas forças paramilitares e militares travestidos de bonzinhos. A origem vem de uma PM decadente que tem sua extinção solicitada numa CPI, para que se comece tudo do zero. Mas nem tudo está perdido, pois ainda remanesce um político sério ligado aos direitos humanos, embora eleito após uma participação dúbia mas eficaz, numa rebelião protagonizada no Presídio de Bangu 1.

O drama policial é contado na primeira pessoa pelo seu protagonista principal, demonstra um conturbado relacionamento com seu filho adolescente e perturbador no epílogo surpreendente, diante do inusitado dos acontecimentos e a perseguição a Nascimento, pelas forças nem tão ocultas, com cara e endereço miliciano. Fica clara a continuação em breve da trilogia que se completará, talvez sobre o Congesso Nacional, diante do indicativo do voo da câmera sobre aquela casa do povo. Certamente não faltará adrenalina pura e muito ingrediente novo no próximo episódio.

Tropa de Elite 2 segue uma trajetória contundente de denúncias que corroem e liquidam um sistema apodrecido, que vai do policial, passa pelo comando intermediário e termina no governador. Nem mesmo o dono do jornal sai ileso e tem sua imagem ofuscada pelo abalo da falta de caráter e moral, ao fazer vistas grossas pelo desaparecimento de sua brilhante repórter pertencente aos quadros de um jornalismo investigativo, que cada vez mais se acanha, quando não há uma retaguarda necessária e protetora. A película lembra em muito o excelente filme italiano Gomorra (2008), de Matteo Garrone, vencedor do Palma de Ouro de Cannes, esmiuçando a máfia napolitana e seus meandros. Como encontra similitude no Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, que completou sua trilogia com a Parte II (1974) e Parte III (1990), legítima obra-prima sobre a cosa nostra.

Padilha dá um verdadeiro soco no estômago com esta estonteante sequência da saga de Nascimento, no seu segundo filme da Tropa...Coloca à nocaute uma plateia boquiaberta com toda a avalanche de impunidade oriunda de um sistema corrompido em todo seu escalão, por uma vírus letal. Fica no final aquela imagem de um Congresso Nacional atormentando e embasbacando corações e mentes de um povo cansado de políticos indignos e demagogos, já saturados de desonestidades de seus representantes sem alma e divorciados de seriedade, afastados dos anseios de seus eleitores. A ilusão se perde nas trevas de uma política malcheirosa, elitista e despudorada, como foi bem elaborada pela fidelidade do diretor, mostrando um mundo irreal e inimaginável pelas camadas sociais sofridas, que vão ao delírio nas cenas de agressão aos ditos de colarinho branco, pela frieza e o tom seco deste extraordinário filme policial-político de máfia brasileira.

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