quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (Abel)



















Abel

Nem sempre um ator é um bom diretor e vice-versa. Diego Luna neste seu primeiro longa-metragem dá mostras disto com Abel, uma comédia dramática de 85 minutos de projeção, abordando a troca de papéis e invertendo hierarquicamente filho e pai, num mundo adulto, onde as crianças aparecem desprotegidas até certo ponto, sem uma real profundidade dos problemas a serem questionados.

Muitos diretores já se aventuram em filmar crianças, sendo que uns conseguiram verdadeiras obras-primas, como o mestre François Truffaut, precursor da Nouvelle Vague, com Os Incompreendidos (1959), e a outra Na Idade da Inocência (1976), drama mostrando a transição da infância para adolescência vista pela ótica de dois meninos. Outro memorável filme sobre a infância é O Balão Vermelho (1956), de Albert Lamorisse, fábula infantil do menino que solta o balão de um poste em Paris e dali para frente é seguido pelo objeto, sofre as chacotas dos mais velhos e dos adultos. Já em 1953, com o média-metragem O Cavalo Branco, Lamorisse fez outro filme indiscutível e magistral sobre infância, abordando um garoto que queria capturar um cavalo selvagem e disputava-o com vaqueiros adultos com a mesma intenção. Outro não menos extraordinário longa sobre a infância vem do Irã, com direção de Jafar Panahi, O Balão Branco (1995), sobre uma menininha que quer comprar um lindo peixe dourado e gordinho, mas seu irmão tenta ajudar numa busca incessante pelo dinheiro, apronta algumas estrepolias pelo caminho.

Também, em recente sucesso, houve o belo O Pequeno Nicolau (2009), de Laurent Tirard, se assemelhando nas cenas de sala de aula em muito outra obra-prima francesa Entre os Muros da Escola (2008), de Lurent Cantet, sobre os reflexos da escola na sociedade perdida e desorientada, questionando os professores de ensinar para quem? Para que? A mostra da transgressão e a a capacidade da escola e dos docentes, bem como a sociedade e o microcosmo familiar, com a perda da energia em determinadas circunstâncias. Outro inesquecível filme sobre crianças é A Guerra dos Botões (1962), comédia dramática francesa de Yves Robert, numa sátira maravilhosa à guerra dos adultos, tendo como dois líderes estudantis de duas cidades adversárias, que se propõem a brigar e arrancam os botões dos casacos e confiscam os cintos, para que os pais os castiguem.

Já em Abel, o longa tem muito pouco da fantasia infantil, demonstrando uma forçada espontaneidade e ingenuidade das crianças e adultos conflitados, diante do abandono da família pelo pai, nos seus devaneios e busca de novos amores, ao retornar encontra seu filho mais velho no seu lugar de comando, dando ordens e ditando normas desproporcionais para sua tenra idade, consequência clara de um desvio comportamental, afastando-se a definição de ser um menino prodigioso. A mãe no papel de mulher abandonada faz concessões a Abel, deixando-o conduzir e estabelecer o que entende como correto e perfeito para o bem dos demais, causando um verdadeiro alvoroço nas relações e limites sem imposição, mesmo demonstrando manifesto desvio de conduta e causando perigo aos irmãos.

O longa tem um ranço moralista, visando explicitamente punir o pai que sai pelo mundo e perde o controle da família, com a enfermidade de Abel, ainda vendo a esposa ter um filho do vizinho e a desordem estabelecida em sua casa. As piadas começam com graça, mas aos poucos vai se esvaindo e se perdem no grotesco e quase vulgar. Tem um final convencional e previsível, ditado pelas regras do conservadorismo, talvez involuntário e inerente de um diretor que poderá crescer, mas que por enquanto tem muito ainda que trilhar, diante deste razoável filme de estreia.

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