segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dois Irmãos



Terceira Idade

O que é uma clássica comédia dramática? Resposta: O filme Dois Irmãos, de Daniel Burman, adaptado do livro Villa Laura, de Sergio Dubcovsky, com Susana (Graciela Borges) na pele de uma egocêntrica, gélida e materialista filha de uma mãe idosa, porém bem cuidada pelo irmão Marcos (Antônio Gasalla), um solteirão de 64 anos e sem grandes realizações profissionais e afetivas.

Burman é o mesmo diretor talentoso da trilogia dos problemas inerentes aos laços familiares e o microcosmo sobre os seus conflitos, tais como: Esperando Messias (2000), O Abraço Partido (2004), completando com o melhor dos três e mais maduro Leis de Família( 2006). Depois surpreendeu positivamente com o magnífico Ninho Vazio (2008), talvez seu melhor filme, pela abordagem do casal que se reinventa, falando da morte após a partida dos filhos de casa para seguirem suas vidas e darem continuidade aos seus futuros, diante do tédio do lar com a ausência dos descendentes, refletindo sobre o existencialismo e o sentido da vida, indagando ao escrever na folha branca que dois corpos flutuam na água e se estariam mortos? Debruça-se sobre o fenecimento dos pais no sentido amplo da palavra, em sequências sensíveis mas dolorosas.

O diretor argentino agora mergulha nos confrontos e adversidades da terceira idade, chamada ironicamente de "melhor idade". Burman não tem a beleza plástica e emocional de Laís Bodanzky pelo seu notável drama Chega de Saudade (2008), tendo como cenário um clube de São Paulo com suas diversas histórias numa noite de baile, aflorando as ilusões e desilusões, perdas e ganhos, amor e traição, para sintetizar tudo numa imensa solidão. Também Marcos Bernstein dirigiu O Outro Lado da Rua (2004), com Fernanda Montenegro e Raul Cortez, em desempenhos impecáveis, refletindo a dor da solidão da idade, reavaliando suas vidas e descobrindo novos horizontes. Já com GranTorino (2008), de Clint Eastwood, as perdas hereditárias e os valores dos descendentes são colocados em xeque de forma exuberante pelo herói de guerra decadente e preocupado com o futuro dos jovens, principalmente pela ganância dos próprios filhos e netos preocupados unicamente com a herança. Burman fica longe ainda da obra-prima Horas de Verão (2008), de Olivier Assayas, drama francês sobre três irmãos que não sabem o que fazer com o legado artístico da mãe e com a mansão que reunia a família nos tempos áureos, esmiuçando de forma sutil, numa análise arrasadora dos conflitos familiares.

Dois Irmãos é um bom filme, não mais do que isso, pois sempre se espera aquele "plus" de um diretor com a capacidade e a técnica de Daniel Burman, que acostumou mal seus fãs e críticos de cinema, diante de suas imensas virtudes anteriores inquestionáveis e com reconhecimento da cinematografia internacional. Nesta comédia dramática, a irmã expulsa o irmão do apartamento da mãe, logo após a morte da matriarca e o deporta para o Uruguai de forma impiedosa. Mas a vida dá voltas e Marcos se encontra profissionalmente pelos seus dotes artísticos, seguindo a carreira de ator de teatro, com participação expressiva e decisiva na peça Édipo Rei, do grego Sófocles, adaptado pelo diretor com quem acaba por se envolver afetivamente. A irmã Susana é tomada de uma fúria de ciúme e inveja, ao perceber a ascensão do mano Marcos ao retornar para a capital uruguaia, porém o destino lhe reserva um vizinho a quem chama de "Clint Eastwood", deixando aflorar seus sentimentos adormecidos e ofuscados pelo seu materialismo contundente.

O epílogo é a melhor parte da trama, que anda lentamente conduzida por uma letargia até as cenas do meio da película, sem um mínimo de emoção que se espera de uma produção tão badalada e aguardada. Os aplausos ufanistas de Susana a Marcos, soam como de uma legítima celebridade no camarote na busca pela redenção ao irmão perseguido e humilhado. Misturam-se e confundem-se na plateia para que Édipo seja paparicado até entrar em cena e satisfazer Marcos pela sua insistência para com a presença de Jocasta que simboliza a mãe e seu amor edipiano. O cineasta conduziu bem o final , ao mesclar o teatro com o cinema, pois já no início o tom teatral se fazia presente e era percebido com clarividência, numa estética bem definida e harmoniosamente levada para o gran finale, inclusive com o sapateado da dança protagonizado por Genne Kelly, em homenagem ao inesquecível Cantando na Chuva (1952).

O longa-metragem aborda a terceira idade e mostra os dissabores pertinentes, como fica explícito na cena do jantar, quando Marcos brinca com o diretor convidado que pede licença para ir ao toalete: "Nesta idade a próstata atrapalha o clima". Por todo o contexto deste clássico diretor portenho, que tem como proposta abordar os irmãos órfãos à beira da terceira idade, sem obter suas realizações plenas afetivas e profissionais, embora falte uma emoção convincente e o esperado plus, é um filme que deixa boas referências e reflexões com a leveza contumaz das comédias, tendo o afago final das águas do rio que servem de cenário para o domicílio daquelas duas criaturas inertes, distantes e sobreviventes do universo familiar, na eterna busca pela liberdade.

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