sábado, 30 de outubro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (Fora da Lei)




Fora da Lei

Rachid Bouchareb roteiriza e dirige este magnífico longa-metragem Fora da Lei, em que mais uma vez se debruça sobre os problemas enfrentados pelos descendentes da Argélia para conquistarem sua independência da França, acontecendo somente em 1962, depois de um banho de sangue, onde morreram milhares de inocentes, tanto argelinos como franceses. Este filme provocou polêmica antes mesmo de sua exibição no Festival de Cannes, houve um grande esquema de segurança para a sessão destinada aos jornalistas, com revistas de bolsas e proibição de entrar com garrafas de água. Depois de assistido o filme, a impressão é a de que não era para tanto.

Fora da Lei abre feridas e toca em questões cruciais como a luta pela independência da Argélia dentro da França e a existência de guerrilhas francesas estimuladas por suas autoridades, como a "mão vermelha", braço do serviço secreto autorizado a assassinar líderes argelinos, mas aborda de maneira profunda a luta sanguinária e violenta pela revolução, promovida pela organização FLN e refutada com não menos violência pela MCA.

O diretor enfoca a trama com vigor pelos três irmãos expulsos de suas terras junto com os pais: Said (Jamel Debbouze) é o responsável pela mudança da mãe para a França e sonha em sair da pobreza, aplicando pequenos golpes e explorando a prostituição, cassinos e clubes de boxe, treina um conterrâneo para ser o herói nacional; já Abdelkader (Sami Bouajila) é o intelectual que estuda e se dedica aos livros, mas acaba preso logo após o massacre de argelinos numa passeata no dia da rendição alemã, em 1945, vem tornar-se líder da luta armada; o terceiro irmão é Messaoud (Roschdy Zem), um soldado que lutou na Indochina e volta para ser o executor da Frente da Libertação Nacional.

O filme lembra os velhos faroestes com muitos tiros e vítimas tombando ao solo inapelavelmente, bem como as memoráveis películas de gângsteres, seguindo com coerência um correto filme político, onde a história se sobrepõe aos atos de barbárie e agressões explícitas apresentados de maneira nua e crua, sem abusar da violência gratuita. Inegavelmente Bouchareb aborda com eficiência e maturidade um filme que busca no passado colonialista francês,visto ainda hoje como uma questão tensa e delicada para os ex-colonizadores, quando reabre o debate e busca a reflexão ocorrida naquele terrível campo de batalha, que deixou os próprios argelinos endurecidos em seus sentimentos, como na resistência de Abdelkader em se entregar ao amor, com a bela loira francesa que o tentava seduzi-lo.

O diretor chegou a afirmar no Festival de Cannes deste ano, ao ser hostilizado, que sua intenção era ter num futuro bem próximo o encontro entre franceses e argelinos, deixando o passado para trás definitivamente, renegando-o ao esquecimento. Posiciona-se favorável pela abordagem não só dos cineastas, mas também dos historiadores, do público e dos políticos discutirem a luta pela independência da Argélia.

A trama lembra outro grande filme que abordou a luta dos argelinos, como A Batalha de Argel (1965), de Gillo Pontecorvo, que mostra os momentos decisivos pela independência, como um marco do processo da libertação das colônias europeias na África, entre 1954 e 1957, demonstrando a maneira de agir dos dois lados conflitados, não escondendo que a FLN desenvolvia técnicas não convencionais de combate, baseadas na guerrilha e no terrorismo, enquanto isso o Exército da França utilizava a tortura como sua arma potente e letal para abafar os ditos inimigos, exatamente como vemos com uma clareza direta e sem subterfúgios neste imperdível Fora da Lei.

A luta dos povos africanos que eram colonizados teve seu apogeu nas décadas 50 e 60, pois já saturados e cansados de serem humilhados pelas suas colônias imperiais, começaram a dar um basta, tendo a Argélia despontada como uma das primeiras a se rebelar e Fora da Lei tem a dignidade e o orgulho deste notável cineasta em colocar com toda contundência este filme universal e maior, tanto pela sua impecável edição, como pelo som, um elenco de primeiríssima qualidade, diante de um roteiro enxuto e um direção precisa, torna este longa como um dos melhores desta 34ª. Mostra de São Paulo.

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