quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (Comida Fria)

















Comida Fria

Vem da Noruega este comovente drama intimista Comida Fria, com direção da promissora Eva Sorhaug, que estreia com seu primeiro longa-metragem. Antes havia só dirigido curtas, vive há anos em Estocolmo, depois de formar-se em cinema pela Faculdade de San Francisco, nos EUA.

A trama gira em torno de cinco pequenas histórias de pessoas que vivem num mesmo lugar em Oslo, mas não se conhecem, dividido em em seis atos, que vão dando a cronologia dos acontecimentos destes excluídos sociedade. Um jovem, ao lembrar que o dinheiro do aluguel está dentro do bolso da camisa, vai até a máquina de lavar roupas e desconecta a chave geral, causando transtornos inimagináveis, pois o zelador ao colocar um fusível, acaba por causar uma pequena tragédia, como do senhor que está mexendo em seus disjuntores, ser vítima de um choque elétrico e morrer eletrocutado. A filha da vítima perde a dependência econômica do pai e é despejada literalmente pelo corretor de imóveis estressado que esbofeteia a esposa, momentos antes, pois a mesma não lavou sua camisa para trabalhar, assistido pelo filho pequeno que chora sem parar e ela não sabe a quem atender primeiro.

O drama começa evidenciando na cena inicial uma contundente e literal inversão de valores, quando aquela mulher que sai de sua casa com um jovem sem carteira de motorista, atropela um indivíduo e o diálogo do casal só demonstra a insensibilidade e os conceitos de vida deturpados por um mundo exterior estereotipado. A cena choca pela frieza e o valor ao ser humano renegada a um grau de falta de compaixão, beirando ao completo desinteresse pelo bem maior que é a vida.

Outra cena marcante por ser premonitória de uma fato inusitado e beirando a tragédia pessoal e coletiva é a revoada daqueles animais pretos em círculo e semicírculo, numa inspirada e clara homenagem ao mestre Alfred Hitchcock pela sua notável película Os Pássaros (1963), questionando os contrastes sociais e os devaneios daquelas pessoas arrasadas em seus sentimentos e dignidade perdida, mas que naquele epílogo, tendo no mergulho no mar daquela criatura sem pai, despejada, agredida num restaurante de maneira estúpida e bárbara, como se houvesse a redenção e a purificação das almas naquelas águas, de forma magistral e quase definitiva. Eva Sorhaug demonstra qualidades de uma cineasta com futuro próximo de uma boa artesã, mas peca por deixar solto demais o roteiro, faltando alguma definição melhor, embora os atos enumerados sejam uma tentativa de conduzir o filme, acaba por serem inadequados e simplistas esteticamente.

Comida Fria claramente é inspirado em Short Cuts (1993), o mestre americano Robert Altman, que traça um painel da Los Angeles atual a partir do atropelamento de uma criança, filha de um apresentador de TV, por uma garçonete, em que casais que não se entendem, pais e filhos que não se comunicam e amantes que não conseguem se integrar. Outra inspiração é Babel (2006), de Alejandro González Iñarritu, quando um trágico acidente envolve um casal norte-americano no Marrocos, com personagens que em algum momento se cruzam em situações aparentemente banais, mas que levam a desfechos inesperados, que afetarão a vida de todos.

A diretora construiu um belo painel da sociedade norueguesa, que também pode ser universal, onde pessoas que estão à mercê de uma vida digna e envolvidas por pequenos desmoronamentos, mas um otimismo desenhado no ato final, não chega a ser ufanista, muito pelo contrário, conduz para uma reflexão deste bom filme da Noruega.

3 comentários:

Fabioh2C disse...

Vi o filme ontem e tentei procurar algo sobre ele pela internet. Devo dizer que gostei muito do seu comentário, principalmente pelas referencias aos Passaros, Shortcuts e Babel. Parabéns!

Roni Figueiró disse...

Fábio, obrigado pelo comentário e seja bem-vindo a este blog.
Espero que você continue a prestigiar minhas críticas sobre filmes.
Uma abraço
Roni Figueiró

drrr disse...

onde posso assistir este filme? links pfvr