terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mostra de Cinema São Paulo (A Árvore)



















A Árvore

Julie Bertucelli tem na sua curta filmografia apenas um longa-metragem de 2003, realizado na Geórgia, o magnífico Desde Que Otar Partiu, que trata das relações intimistas decorrentes da família composta por uma avó, mãe, filha e um filho que foi para Paris e lá acontece algo inusitado. Contar para a mãe é grande questão, numa temática com envolvimento político e com seus diversos desdobramentos.

Agora lança na Mostra, em primeira mão, o excelente A Árvore, que tem como trama um casal que vive num vilarejo da Austrália, de forma simples e acomodada com seus quatro filhos menores, rodeados por uma vizinha bisbilhoteira e os amiguinhos da crianças, num cenário de beleza estonteante. Até que o marido morre repentinamente, o filho mais velho assume o comando da casa e começa a trabalhar numa madereira, já a viúva Dawn (Charlotte Gainsbourg- de grande atuação e lembrando em muito sua notável performance no extraordinário filme Anticristo (2009), de Lars Von Trier), logo mantém um relacionamento afetivo com um vizinho e patrão- pois ela também foi à luta pelo emprego- um encanador que sugeriria a demolição do arbusto imponente e devastador.

A Árvore traz como reflexão a falta de limite do amor pela natureza e os perigos iminentes de uma frondosa figueira, que tem suas raízes e galhos se espalhando e agredindo a casa da família, inclusive entrando pelas janelas e portas, surgindo sapos nos vasos sanitários, um galho podre que se quebrou e caiu no quarto de Dawn, como num aviso de prenúncio de dias piores que estão por vir. A relação da figueira com a menininha Simone, de 8 anos, e o suposto elo com o pai morto traz à baila os limites de pais e filhos.

A garotinha se entrincheira nos galhos e não deixa ser derrubada aquela árvore que lhe traz reminiscências e o alto grau de afetividade com seu genitor tragicamente desaparecido, justamente naquele local das raízes que tanto cultiva e guarda um segredo com a mãe, nas madrugadas que é acordada pelo farfalhar das folhas rebeldes como Simone, que hesita entre abandonar o carro de Dawn, caso ela mantenha passar o primeiro Natal sem seu pai, mas com o novo namorado.

Os vínculos afetivos entre pais e filhos, bem como seus limites e demarcações são questionados com bastante clareza e sutileza por esta diretora surpreendente, já desde seu longa anterior, onde o tema da família e as relações conturbadas são debatidas à exaustão. A dor da perda e a dúvida da confissão estavam presentes em Desde Que Otar Partiu, permanecem e continuam solidificadas, pois o tema não se esgota e abrange de forma magistral neste longa, deixando mais dúvidas do que certezas, diante da fragilidade da morte que chega na hora errada e o despreparo emocional da mãe para acalentar e dominar seus quatro órfãos paternos.

O final ainda que devastador pela natureza, traz no seu bojo a esperança naqueles seres desamparados e tristes pela perda material e do seu líder, retirado abruptamente da presença física do pai, mas não se deixam abater, embora sugados pela dor, a melancolia fica para trás, e aquele pequeno caminhão com aquelas criaturinhas estão dispostas a recomeçar uma nova trajetória, simbolizadas na metáfora ao plantar uma pequena muda de uma árvore.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, a diretora Julie Bertucelli participou de um bate-papo com o público. Esta foi sua primeira visita ao Brasil. Durante a conversa, ela afirmou que só não filmou outros filmes neste longo intervalo porque estava grávida de seu segundo filho e que demorará mais um bom tempo para lançar o próximo, pois espera um novo bebê. Julie adiantou que seu próximo projeto de filmagem poderá ser no Brasil ou na Argentina. Não gosta de um filme atrás do outro, busca a qualidade e não a quantidade. Disse que teve problemas na Austrália para filmar A Árvore, pois o povo daquele país é muito engessado e não sabe improvisar; que a figueira não foi cortada, pois foi utilizado efeitos especiais; teve que se impor para captar as cenas reais de uma tempestade, tendo em vista que estava distante 3 horas da árvore que serviu de cenário e que a chuva das imagens é artificial.

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