quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Aquele Querido Mês de Agosto

















Imaginário Português

Ao se falar em cinema de Portugal, logo se pensa em Manoel Oliveira, talvez o maior diretor da história daquele país. Porém, há outras cabeças pensantes e com grande imaginação cinematográfica, como por exemplo Miguel Gomes, com seus 37 anos, que já realizara o inédito no Brasil A Cara que Mereces (2004), pois agora recebe os aplausos dos críticos especializados nos principais países do mundo com o magnífico Aquele Querido Mês de Agosto (2008), com suas duas horas e meia de duração, recebeu inclusive o prêmio da crítica na Mostra de São Paulo da última edição.

O longa foi filmado em Argamil, na região central de Portugal, distante 50 quilômetros de Coimbra, apresenta inicialmente um país não globalizado, em que o mês de agosto é marcado pelas festas típicas nos bucólicos lugarejos entre a serra e o interior, com seus grupos musicais tradicionais e folcróricos nos festivais de verão daquela região. Num misto de documentário e ficção, busca uma banda que aceite ser filmada em suas atividades e apresentações, surge como por acaso um inusitado triângulo das relações afetivas entre um pai, sua filha e o primo da menina, integrantes de uma banda folclórica portuguesa.

O próprio cineasta confirma que nem ele sabia o que queria, quase termina seu sonho de rodar um filme, pois apenas tinha um roteiro escrito na mão, mas sem incentivos ou patrocínios, sem verba para pagar uma produção especializada e de renome, coloca sua equipe de amadores para trabalhar com câmeras portáteis digitais. As pessoas da região acabaram virando atores como personagens de seus dramas pessoais. Sobrou também para o diretor de produção do Aquele Querido Mês de Agosto escalado para ser o ser o pai na trama, virar uma revelação como tecladista da banda dentro do filme e o assistente do realizador tornar-se o baixista. Outra vez há a inversão de papéis na mistura do realismo com o imaginário, num exercício mental delicioso dos limites propostos da ficção passando pelo documentário e vice-versa.

O longa é dividido em duas partes, sendo que a primeira segue uma linha documental, entrevistando moradores com histórias e situações típicas para contar, registrando tudo aquilo que achava interessante, na busca de um personagem central, captação de sons e as belas imagens da região serrana com seus locais pitorescos. É bem ilustrado na cena do ataque fulminante de uma raposa a um galinheiro no início da película, já revela sua intenção metafórica da invasão de desconhecidos e predadores a um universo calmo e inofensivo. O diretor busca na banda sonora a sua essência, refutando que seja por causa das canções, pois o som não é dependente da imagem, busca incansavelmente a pessoalidade e não o experimentalismo, embora haja e esteja implícita a renovação.

A segunda parte do filme é a ficção imaginada e tão sonhada por Miguel Gomes, tendo seu roteiro original virado uma realidade. Ainda assim, é quase que impossível se saber o que é real ou imaginário; se foi encenado ou se surgiu circunstancialmente, como dois singelos moradores conversando sobre suas experiências de atores amadores e as possíveis repercussões que advirão; se faz parte do enredo ou se foi adicionado por intuição quebrando os paradigmas da formalidade.

Esta mescla com suas complexidades lembra em muito o admirável Nashville (1975), de Robert Altmann, que tinha como palco vários acontecimentos durante a Guerra do Vietnã, abordando a contestação política internacional, os movimentos hippies e os assassinatos políticos que abalaram os EUA. Bem antes e como pioneiro surgiu nos anos 30 Jean Renoir, e após Pier Paolo Pasolini na década de 60, ambos surgiram e criaram esta bela escola de filmes complexos e de enigmática classificação do gênero.

É um longa-metragem que fundamentalmente gira em torno dos acasos e das situações genéricas e peculiares de uma região, com seus belos fados portugueses e suas idiossincrasias regionais. Pode não ser um filme fácil, diante das aleatoriedades inerentes à produção, mas com um pouco de paciência e o espírito aberto e leve para novo e o descompromisso com a formalidade, tudo poderá se simplificar. O melhor é se deixar levar pelos truques surpreendentes e absorver esta obra-prima lusitana de estética remodelada, com sua tradição e os conflitos pessoais surgidos no enredo.

Nenhum comentário: