quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Mostra de Cinema São Paulo (À Procura de Elly)



À Procura de Elly

O cinema iraniano está de volta com todo seu vigor, simplicidade e reflexão filosófica, cultura e política neste belo filme À Procura de Elly, dirigido pelo jovem cineasta Asghar Farhadi, já abocanhando o prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano. Diga-se de passagem que foi merecido, diante do notável elenco, enredo forte com um enlace magistral de dramaticidade, misturado ao clássico suspense, com tons homeopáticos precisos de comicidade, diante de uma contida tragicidade, culminando com o inusitado de um drama familiar e de amigos no Mar Cáspio no Irã.

O longa-metragem retrata Ahmad voltando da Alemanha para sua terra natal e sua amiga Sepideh organiza uma espécie de piquenique às margens do litoral iraniano, convidando uma estranha ao grupo, a professora de sua filha, de nome Elly, sem avisar os familiares e amigos, mas com o intuito de apresentá-la ao amigo que volta ao País, depois de um frustrado casamento com uma alemã, pretende recomeçar sua vida com uma nativa. A apresentação parece dar certo, mas o suspense e todo o drama começa com o desaparecimento de Elly. Teria morrido no mar ou fugira do noivo obsessivo que a adora mas sem a correspondência adequada? Há uma mãe que não pode saber, pois é cardíaca, a polícia sequer consegue obter todo o nome da professora desaparecida.

As cenas das crianças sendo treinadas para mentir são impagáveis, assim como o garoto deixando fluir toda sua espontaneidade de criança que não sabe enrolar. O noivo neurótico traz uma carga emocional, silenciando e contraindo todo os amigos que buscam uma saída honrosa, metáfora de um governo repressor que está encurralado pela verdade que aflora e se impõe.

O jogo de palavras e a busca de um culpado pelo inusitado são fatores marcantes na película. O tom alegre de festa cede espaço para a desarmonia e o pânico instalado entre os personagens pelas circunstâncias e pelas vaidades. O choque cultural de um iraniano com passagem pela Alemanha fica evidente, assim como a mulher sempre em plano inferior ao homem tipifica e não deixa dúvidas de que há uma sociedade governamental naquele País dirigida pelo sexo masculino sem a anuência feminina, fadada a obedecer sem limites.

Eis um filme com todos os ingredientes para que se possa admirar cada vez mais a denúncia de uma arte que se sustenta numa civilização decadente, onde um povo sofre todas as amarguras impostas de uma censura de cima para baixo. Torna-se marcante pela beleza das palavras e frases com todas as alegrias e tristezas, num emaranhado típico de uma burocracia como Kafka já alertara e denunciara na sua obra sempre revigorada e presente.

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