terça-feira, 13 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios












Falsidade Gloriosa

Quentin Tarantino em sua última frase do longa diz, pela boca do tenente "caçador de nazistas" Aldo "O Apache" Raine (Brad Pitt): "acho que essa é a minha obra-prima". Nada a contestar, pois não é que é mesmo. O diretor que anteriormente já brilhara em Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), Kill Bill- volume 1 (2003) e Kill Bill- volume 2 (2004), entre tantas outras realizações, embora com muitas restrições pela facilidade da violência, desta vez arrasa com Bastardos Inglórios, sua obra máxima.

Um filme sarcástico e recheado de ironia fina, com uma violência não violenta, apesar do paradoxo, mesmo com a vingança explícita do massacre da família no rosto da judia-francesa disfarçada Shosanna (Mélanie Laurent) que fugira das garras do tenente-coronel Hans Landa (Chistoph Waltz), na pele de um nazista implacável de "caçador de judeus", que tem na atuação deste ator austríaco uma grandeza de absoluta precisão em seu comportamento e no jogo de palavras, tanto nas perguntas como nas aparições impecáveis, acaba roubando literalmente o filme pela sua extraordinária atuação que lhe garantiu o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes.

Tarantino é um diretor irrequieto e inesgotável com seu notável senso de deboche. Diverte-se com os nazistas ao criar uma espécie de fábula moderna colocando os judeus como seres dominadores. Pode parecer uma falsidade, mas o que interessa é a gloriosa vitória, com o escalpelar de couro dos soldados alemães, pela unidade voluntária de soldados judeus aterrorizando os soldados nazistas, sob o comando do tenente Aldo, relembra outro excelente filme com atuação impecável de Bradd Pitt em Queime Depois de Ler (2008), dos irmãos Joel e Ethan Coen.

A explosão do cinema lotado de nazistas, exterminando todo o seu comando é impagável. A fumaça que constrói o rosto de Shosanna, lembra como metáfora os judeus sendo queimados nos fornos e chuveiros à gás nos campos de concentração. O negro como autor da façanha, logo após beijar a linda judia, consagra a raça tão marginalizada. É a redenção afro em conluio com a raça judia, tão pisoteada pelo "Führer". O fim do nazismo é um sonho tanto para as vítimas como para o próprio povo alemão contrário as barbáries. A ingenuidade, no final da película, do tenente-coronel Landa, demonstra toda a estupidez e burrice pela imbecilidade da operação ocorrida na França, em 1941, quando da ocupação nazista.

O filme é composto por cenas (atos), como ocorre numa ópera bufa, que busca na verdade indecifrável de uma mentira que se estampa no rosto do Ministro da Propaganda da Alemanha Joseph Goebbels, com dotes de uma retórica que exortava o povo alemão para aderir ao nazismo. Pregador da mentira repetida que se tornaria uma verdade. Goebbels é ironizado e esculhambado por Tarantino, bem como Adolf Hitler vira um personagem caricato e ridículo com seu bigodinho literalmente bagunçado e desalinhado, contrariando os filmes de clichê, exceto claro do memorável personagem "Carlitos" de Charles Chaplin.

Já na cena inicial do pai fazendeiro (Denis Menochet) cortando lenha na bela e aprazível morada entrecortada pelas montanhas com campos verdejantes e vacas espalhadas pela imensidão bucólica, na companhia de suas filhas, tem sua residência tumultuada pela caça a pessoas de outra raça, há na bela canção da trilha sonora de Ennio Morricone, a lembrança dos antigos faroestes de Sérgio Leone e John Ford, prenunciando uma situação incômoda e perigosa. Outra cena que remete para os grandes bangue-bangues é a protagonizada no bar, onde há uma trapalhada da figura da linda loira fatal como estrela de cinema Bridger von Hammersmark (Diane Kruger).

O cineasta ensina plasticamente como se faz um filme inteligente, pela astúcia como se fosse um jogo de xadrez que propõe nos atos enumerados, tanto pelos comandos nazistas como dos conspiradores judeus, como se fosse um sistema de governo apodrecido pela falta de sustentação programática. Ninguém fica impune, mesmo com seu tradicional banho de sangue, dilaceramento de corpos, escalpelamentos, cabeças cortadas e as explosões de incêndio, não há sequer uma cena de agressão à plateia, que responde sempre com sorrisos lânguidos e às vezes pelo silêncio da expectativa da próxima cena.

Uma magistral obra de um cultuado diretor com um histórico de violência explícita, mas que se redime das cenas gratuitas e desnecessárias; obtendo pela harmonia do riso com o suspense, do drama com a comédia, do inverossímil herói de guerra nazista e protagonista do filme marco dos alemães, tal qual Rambo nos filmes americanos contrapondo com o medo da pedida de um inofensivo copo de leite, atemorizando todos os espectadores. Por isso é seu filme maior pela superioridade aos demais antecessores, pois ao enveredar para um inusitado spaguetti-western consegue se inserir entre os grandes desafios de sua carreira, avançando para uma maturidade artística, com este soco divertido e falso, porém eloquente na história conhecida do holocausto e da II Guerra Mundial, quase sempre contada de maneira politicamente correta.

O diretor ao desafiar a história e fazer seu julgamento próprio, como se fosse de todas as vítimas, conta de maneira corrosiva, numa sequência espetacular, refutando tudo aquilo que se conhece pelos bancos escolares ou pelos livros de história, através de um roteiro esteticamente perfeito e de uma memorável situação de pessoas que pela tolice tornaram-se irracionais, escrachadas ao extremo pelas suas preferências raciais, lava a alma até do mais distraído cinéfilo ainda confuso pela variedade da irreverência e da criatividade espantosa desencadeada por um cinema abundante de verdades e mentiras de um delírio salutar.

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