sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Mostra de Cinema São Paulo (O Apedrejamento...)
O Apedrejamento de Soraya M
Surge mais um forte candidato de melhor filme da 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o vigoroso e perturbador O Apedrejamento de Soraya M, com direção de Cyrus Nowrasteh, tendo seus últimos trabalhos como roteirista nos EUA com Amor sem Fronteiras (2003), Caçado (2003) e Atirador (2007), dirigiu o documentário histórico Depois do Atentado, sobre Ronald Reagan, com produção de Oliver Stone (2001).
Logo na saída da sala de projeção, ouve-se dois comentários que resumem o longa: "porrada na cara" e "chute no estômago". É exatamente isso o que este brihante filme nos revela de forma aterradora. O suplício de uma mulher acusada pelo marido injustamente, numa trama urdida e perpetrada como uma farsa, com o intuito de obter o divórcio sem ter que indenizá-la, para poder casar com uma menina de 14 anos, filha de um médico que será enforcado por crime político contra o regime vigente no Irã. Isso é apenas o início de um sofrimento que perdurará até o final, de forma trágica e avassaladora.
Há um julgamento grotesco e ridículo, sem um mínimo de defesa e sequer se fala em ampla defesa, abortando a legitimidade de uma legalidade corrompida, onde um falso mulá, que se denomina líder de uma mesquita, em conluio com o marido que o ameaça, mais o prefeito que é o ex-marido da tia de Soraya, a rebelde Zahra, organizam um julgamento com ameaças e subornos, correndo solta a corrupção, pois já está decidido o futuro de Soraya ao inferno que lhe espera, pois nega-se a conceder o divórcio amigável. Acusada de traição, mesmo sendo uma mulher digna, isso pouco importa, pois comete o pecado capital em desafiar seu próprio marido, homem forte do regime totalitário que sucedeu o xá Reza Pahlevi.
O filme mostra de forma crua e de uma secura extrema a submissão das mulheres, pois como diz o prefeito laconicamente: "se a mulher é acusada, cabe a ela provar sua inocência; se a mulher acusa um homem, cabe a ela também provar o adultério do marido". Ou seja, nunca terá sucesso, pois o poder está concentrado numa sociedade machista, que alijou qualquer tipo de direitos humanos, num mundo incivilizado, onde as leis são feitas de acordo com os interesses de quem manda e detém na mão a caneta.
Neste cenário, numa aldeia, aparece o jornalista franco-iraniano Freidoune Sahebjam que consegue uma fita do depoimento de Zarah sobre a sobrinha Soraya e escvreve um livro com base em fatos reais, divulgando numa reportagem esta poderosa denúncia para os principais países do mundo ocidental em que vivem as pessoas contrárias às decisões dos governantes ditatoriais.
O massacre de Soraya é estonteante, com cenas fortíssimas do apedrejamento explícito, com dilaceramento de órgãos vitais, repugna pela maledicência e atemoriza pelo barulho das pedras como um coral num tic-tac ensurdecedor. Começa pelo próprio pai trêmulo pela velhice, mas convicto da traição da filha, em jogar pedras; vêm os dois filhos divididos pela certeza, mas desencorajado pela tradição o vacilante; o marido alucinado pelo ódio entra em êxtase; e finalmente a população excitada por sangue, lembrando o calvário de Jesus Cristo na cruz e Joana D'Arc ao ser queimada viva na fogueira, acusada pela igreja de bruxaria. O carro com os palhaços anunciando seu espetáculo, exatamente na hora da leitura do veredito condenatório por unanimidade, é uma metáfora magnífica do circo montado para a decisão do Conselho de Homens reunidos para decidir o destino de uma mulher sem direito à defesa.
A intransigência e os descalabros não podem prosperar do Irã para o Brasil, pois no dia 23 deste mês, uma aluna de 20 anos, do primeiro ano de Turismo da UNIBAN, foi chamada literalmente pelos colegas dito homens de "loira puta da UNIBAN", sendo que "loira gostosa" foi o termo mais ameno. Seu crime foi ter usado um microvestido rosa, causando um ataque selvagem, lembrando a ignorância e o horror dos talebans do Afeganistão e do Irã, numa regressão à Idade Média, com xingamentos, assédio moral e tentativa de estupro por colegas de aula, inclusive sendo alguns seus vizinhos de bairro. Isso não aconteceu no Oriente Médio, mas aqui no coração do Brasil, no Estado de São Paulo, no ABC Paulista, em São Bernardo do Campo. A vítima, a nossa "Soraya", só conseguiu sair da universidade para ir embora, escoltada por meia dúzia de policiais militares e disfarçada com um guarda-pó. A sanha taleban não só se encontra em países de regime totalitário, pois os verdugos moram às vezes bem mais próximos do que imaginamos, aguardando o momento propício para atirarem pedras nas Sorayas ou atacarem meninas que cometeram o crime de nascerem bonitas. Não é preciso nem se negar a dar o divórcio amigável como na aldeia iraniana.
Enfim, um longa atual, até pelos acontecimentos tribais na UNIBAN, que deve ser apontado como talvez o melhor, porém há uma certeza, será um dos maiores filmes que já passaram pelas 33 Mostras de São Paulo. Segurem o fôlego, dominem o estômago e assistam esta obra-prima iraniana.
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