quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Mostra de Cinema São Paulo (Tokyo)
















Tokyo

Três diretores reúnem num longa-metragem três filmes com episódios de pouco mais de 30minutos cada um. O filme inicia com o francês Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente sem lembranças- 2005 e Rebobine, Por Favor-2008), dirigindo Interior Design; no segundo episódio o francês Leos Carax (Os Amantes da Ponte Neuf-1991) apresenta Em Merde; e o último ato leva a assinatura do coreano Bong Joon-Ho (O Hospedeiro-2006), com Shaking Tokyo.

O trio consegue obter um resultado espantoso com este magnífico longa Tokyo, pela qualidade e o acerto do tema abordado, ou seja a futurista capital do Japão, com todos os seus sentimentos de perda de solidariedade, medo ao melhor estilo americano e abundância de tédio e depressão, num País que cada vez mais o senso de vida em grupo se dispersa e avança estrondosamente para o abismo da falta da solidão, prevalecendo o coletivo em detrimento da individualidade, que fica evidente pela perda do amor ao próximo.

Gondry dirige o primeiro episódio Interior Design, o mais frágil dos três, pela inconsistência narrativa e a inverossimilhança barata, faltou o manejo e a exuberância existente nos últimos dois, embora o enredo fosse propício para desenvolver algo mais palatável. Os dois jovens que tem dificuldades para se acomodarem num minúsculo apartamento, onde tudo é reduzido já indica um desenrolar crítico. No contraditório do relacionamento, o namorado quer ser diretor de cinema e tem ambição bem consistente, porém sua namorada descamba para um sentimento de culpa e acaba por perder o controle de sua vida, causando enormes contratempos para si e torna-se invisível aos olhos dos outros. A fita avança para o epílogo e as situações de eloquência desaparecem por completo. Erra a mão e a direção demonstra uma fragilidade primária.

Leos Carax dirige o segundo ato que se credencia como um soberbo Em Merde, filme que aborda de forma humana uma criatura misteriosa e sensível que emerge de um esgoto em plena Tóquio, relembrando o inusitado e instigante O Hospedeiro, que tem como uma espécie de continuidade, em homenagem ao seu colega Bong Joon-Ho. Detentor de unhas enormes e sujas, ao melhor estilo Zé do Caixão, com um olho furado e de aspecto horrendo, causa pânico na cidade, derrubando edifícios com centenas de mortes, em referência quase que explícita ao 11 de setembro em New York, diante da destruição e correria que causa na população, faz lembrar os longas americanos Godzilla (1998) e Independence Day (1996).

Há passeatas para evitar o enforcamento de Merde, assim como se contrapõe os contrários a absolvição. O advogado francês também de um olho só, mais atrapalha do que ajuda seu cliente. O clima é de revolta e sentimento de piedade, num jogral de vozes que encanta e transforma o vilão em vítima. A ironia vem no final quando é anunciado suas novas aventuras nos EUA. Simplesmente fantástico este episódio que denota a força e a grandeza do cinema quando se propõe a colocar o inverossímil como coerência e reflexão.

No último episódio que é dirigido pelo coreano Bong Joon-Ho Shaking Tokyo, talvez um dos mais melancólicos e devastadores relatos de solidão humana contada no cinema. Um rapaz vive há mais de 10 anos enclausurado em sua casa, literalmente isolado do mundo e das pessoas. Seu contato com o mundo exterior se dá apenas quando recebe pizzas pela tele-entrega. Mas nada é tão definitivo que a natureza não pode pinçar e devastar, pois a moça que lhe entrega sua refeição pela primeira vez, vê no terremoto que assola a cidade como o insólito e também acaba por ingressar neste mundo claustrofóbico da distância com o ser humano.

A corrida do rapaz pelas ruas de Tóquio completamente vazias, contrapõe com aquelas imagens dos episódios anteriores com seu colorido esquizofrênico diante da correria arrebatadora e desvairada de pessoas sem destino definido. Ainda há tempo para um possível e enigmático relacionamento de uma paixão que por si só poderá romper com as amarras da doença contagiante das vidas solitárias e sem perspectivas numa Tóquio futurista e fria.

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