terça-feira, 27 de outubro de 2009

Mostra de Cinema São Paulo (Hotel Atlântico)



















Hotel Atlântico

Dá até para dizer que Suzana Amaral é o nosso Manoel Oliveira, o longevo centenário diretor português. A cineasta brasileira que estreou na direção do longa que arrebatou o prêmio Urso de Prata para a atriz Marcélia Cartaxo, no Festival de Berlim, em 1986, com A Hora da Estrela (1985), está de volta e com todo o fôlego que Deus lhe deu, com este magnífico Hotel Atlântico, seu terceiro longa, transposto do livro do gaúcho João Gilberto Noll. Dirigiu ainda Uma Vida em Segredo (2000).

A película retrata um ator desempregado- talvez o único erro de Suzana, ao convidar para o papel o insosso e intragável Júlio Andrade-, com todas as frustrações possíveis, que decide viajar sem destino, característico dos personagens de João Gilberto Noll, escritor dos excluídos, marginalizados de uma sociedade repressora, bem como de pessoas confusa e pessimistas, oriundas de um sistema centralizador. O ator encontra no ônibus uma mulher misteriosa que o destino lhe coloca ao lado na poltrona, com a morte rondando e à espreita, num prenúncio de maus agouros que advirão.

As situações inesperadas como a morte que ronda sua passagem de um Estado para outro, os amigos que contraditoriamente querem matá-lo, mesmo com a inverossimilhança aparente dos personagens que lhe aparecem, há a superação envolta ao bizarrismo como assumir o papel de padre numa localidade que a ausência é uma constante e o passeio pela cidade com o respeito da comunidade. Os dias sempre sombrios sem a presença do sol indicam as adversidades e os desafios do ser humano. Outro fator marcante são as cenas abertas sem fechamento de questão, deixando a inteligência do público desenvolver a continuidade, passando do abstrato para o concreto e do imaginário para a realidade.

Há a suspeição sem sentido que aflora e o coloca num mundo perverso e violento, como a inesperada acusação e o mutilamento inexplicável na sua vida. Sua tragédia pessoal, faz conhecer um enfermeiro -o sempre talentoso João Miguel- que nunca conheceu o mar e vê sua grande oportunidade de fugir do hospital para realizar seu sonho contido e represado. Destaque também para Gero Camilo como o sacristão epilético e Mariana Ximenes a como a filha mimada de um poderoso candidato a prefeito.

A cena final do enfermeiro com o ator nos braços é comovente e revelador, como confessa a diretora no debate ao final da sessão, ao colocar seu otimismo para uma vitória pessoal diante da tragicidade, afastando o pragmatismo derrotista do texto original, para amenizar com o dedo de Suzana um mundo de perspectiva mínima embalada pela fantasia infantil da ingenuidade e a vontade de viver e ter uma dignidade que teima em ficar longe. A Mostra de São Paulo se enriquece com o talento e a soberba direção de uma cineasta que deveria se expor mais, pois sua jovialidade intelectual resplandece na beleza encantadora que lhe é peculiar.

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