sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Riscado
Tormentos da Atriz
O diretor carioca Gustavo Pizzi dirige seu segundo longa-metragem Riscado, mostrando sua versatilidade e competência com este belo drama. Lançou-se ao cinema com o documentário Pretérito Perfeito (2006). Riscado abocanhou os prêmios de melhor atriz para Karine Teles, melhor direção, melhor roteiro, trilha sonora e prêmio da crítica no 39º. Festival de Gramado deste ano e ainda o de melhor atriz no Festival do Rio de Janeiro.
A trama é centrada na figura da aspirante a atriz Bianca Ventura, numa interpretação soberba de Karine Teles, que mesmo não sendo bela, esbanja carisma, talento e é extremamente cativante. É casada com o diretor Gustavo Pizzi. Por vezes chega a lembrar fisicamente a atriz gaúcha global Bárbara Paz. Impossível não elogiar a brilhante trilha sonora em harmonia e ajustada com o desenrolar do filme, em compasso de adequação invejável. Toda sua trajetória de freelance em festas de aniversário e na comovente cena da aposentadoria de um velho servidor de uma empresa pública com o ritual melancólico da despedida e os abraços fraternos dos colegas como prêmio de consolação; como também merece destaque a cena da coreografia das bananas, onde a dor dilacera por não falar francês em seu próprio filme, embora estivesse escalada como intérprete dela mesma como protagonista, o baque caracteriza-se pela perda solene no papel principal e a submissão à uma secundária atuação.
O filme embora seja um drama tem um tom documental que confunde o espectador menos desavisado, tornando seu roteiro sedutor. Pela maneira como aborda as questões íntimas das perdas e esperanças renovadas de sucesso dos personagens, lembra os filmes de Eduardo Coutinho Edifício Master (2002) e Jogo de Cena (2006). Há também uma forte inspiração na obra-prima Cabaret (1972) de Bob Fosse, com Liza Minnelli, tanto pelo sofrimento da busca do apogeu, como pelo entrecruzamento das histórias distintas, sem ser paradoxal. Um filme dentro de outro filme vem acontecer do meio para o fim, crescendo o drama e o clímax do enredo, ficando claro as terríveis dificuldades e impasses para a construção de uma atriz de rua numa profissional que busca seu espaço, enfrentando todos os percalços e complexidades de agentes e diretores inerentes à profissão e os medos interiores do ser humano colocados em xeque. A fama é muitas vezes repentina e os louros da glória nem sempre têm o glamour que é passado para os fãs.
A atriz ao fazer o teste e ser aprovada para uma grande produção internacional não resolve sua situação de busca pelo estrelato, porém tudo começa a encrencar-se, talvez pelo despreparo ou pela ingenuidade de sua vida acanhada em apresentações pequenas de festinhas cantando “parabéns a você”. São incluídas produções de vídeos caseiros para ajudar na ascensão da candidata. Bianca se veste e imita grandes divas do cinema como Carmem Miranda, Marylin Monroe e contracena com Bettie Page para animar seus clientes passageiros, além de rápidas incursões pelo teatro, mas tudo é muito difícil e complicado na carreira para chegar ao estrelato. Pizzi aborda e afasta o fator sorte na vida das pessoas. Debruça-se com elegância no esforço e nos atributos artísticos e recursos de um profissional. Não falar português numa produção francesa não é ter menos sorte, mas carência de um profissional no mundo globalizado. Não há cobrança e nem pieguice, mas o diretor desenvolve o tema com muita sensibilidade e realismo para chegar à dolorida conclusão como se fosse um misto de advertência com compaixão pela personagem entristecida. Fala dos holofotes, do universo artístico, da fama e do sucesso truncado por adversidades.
Riscado é um filme maduro que retrata e reflete o comportamento dos artistas em geral que buscam seu espaço, enfrentando as contrariedades e dificuldades da carreira almejada pelo ser humano em geral. Há as virtudes inerentes de um bom cinema nesta obra, como a reflexão dos aflitos obstinados por um imaginário e glamouroso estrelato, enfrentando os medos e angústias nas buscas pessoais de seus desejos de realizações profissionais, assim como todo o indivíduo que irresigna-se com os revés, chora pela aflição e luta com galhardia pela dignidade.
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