quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Mostra de Cinema São Paulo (Era Uma Vez na Anatólia)
















Era Uma Vez na Anatólia

Um filme de 157 minutos pode assustar no primeiro momento, mas Era Uma Vez na Anatólia flui e anda como num média-metragem de uma hora no máximo. Vem da Turquia o premiado longa vencedor do Grande Prêmio do Júri de Cannes deste ano, com a direção brilhante do consagrado Nuri Bilge Ceylan. É dele também os premiados em Cannes Uzak (2002), Climas (2006) e o inesquecível Três Macacos (2008).

Ceylan arrasa nesta estupenda película, solidificando-se como um cineasta preocupado com as questões sociais e a falência do sistema turco, onde a burocracia está presente e emperrando o desenvolvimento. O caos instala-se nas improvisações que vão desde a polícia até a medicina, passando por um judiciário ultrapassado e completamente inócuo para resolver um simplório crime numa aldeia rural encravada dentro de uma estepe rodeada de colinas. O que mais surpreende e encanta o espectador é o roteiro enxuto desta mescla de filme policial noir com drama social. Não fica pedra sobre pedra, nesta trama que tem como partida uma aparente e singela investigação policial de um crime, durante uma noite inteira com o desfecho no outro dia. Nada funciona, a começar pelos carros corroídos pelo tempo e completamente ultrapassados, tendo inclusive que ser um deles empurrado pelos passageiros em serviço.

A enorme comitiva dos três veículos tem um médico legista (Muhammet Uzuner- em impecável atuação); o promotor que se acha parecido com Clark Gable, símbolo do estrelismo; um delegado estressado e com sérios problemas com a mulher que lhe cobra insistentemente para comprar os remédios do filho (Yilmaz Erdogan); um secretário para elaborar o relatório minucioso; dois escavadores munidos de pás implacáveis; um sargento preocupado com a exatidão das metragens e a jurisdição correta das aldeias; os motoristas; dois suspeitos do crime, sendo o principal acusado (Taner Birsel), numa bela construção de crápula arrependido.

O diretor conduz com uma técnica perfeita o filme, de um rigor formal invejável, com closes nos rostos para mostrar os sentimentos dos personagens envolvidos nesta desastrada empreitada. Corrompidos pelo pessimismo do futuro de seu país. Há os longos planos sequenciais das longínquas estradas monótonas e estreitas que somem e reaparecem instantaneamente. Um acerto estético elogiável e fabuloso para um desenrolar com poucas elipses. Elogiáveis as cenas deslumbrantes rodadas na madrugada, apenas iluminadas pelos faróis dos três carros e relâmpagos de tempestades que se avizinha, criando um sugestivo cenário de dificuldades, naquela fantástica paisagem de colinas, que lembra o filme Gosto de Cereja (1997), do iraniano Abbas Kiarostami. São reveladoras as subidas e descidas dos veículos pelas sinuosas estradas com os suspeitos à tiracolo.

São memoráveis as atrapalhadas investigativas de poucos recursos técnicos, que necessitam de uma ajuda fortuita do cão da vítima, para elucidar o local onde está enterrado o corpo tão procurado. O médico resiste até o final, mas as condições que lhe são apresentadas são deploráveis para desenvolver um trabalho digno. Sucumbe pelo desânimo, soçobrando seu profissionalismo sempre eficiente no epilogo.

Um extraordinário filme que se inscreve como um dos melhores da 35ª. Mostra de Cinema de São Paulo deste ano, tanto pela denúncia da corrupção como da liberação de verbas desnecessárias para o amigo do promotor. É falência espetacular de toda conjuntura estrutural de um sistema podre e decadente, sem recursos financeiros para um hospital que está caindo aos pedaços. A morte da vitima é uma alegoria para a destruição de todos os setores e organismos das células de um a sociedade hipócrita.

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