terça-feira, 25 de outubro de 2011

Mostra de Cinema São Paulo (O Garoto da Bicicleta)

















O Garoto da Bicicleta

Os cineastas belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, mais conhecidos como os irmãos Dardenne, tratam o novo filme com mais delicadeza e menos rudeza, embora sem perderem o foco e o cerne da questão. Os personagens geralmente parecem moribundos numa Bélgica que se esqueceu das classes menos abastadas. Filhos e pais estão em confronto de relacionamento permanente, decorrente das mazelas de uma sociedade que virou as costas para uma classe menos protegida, que busca nas drogas suas realizações pessoais e profissionais. Como também os pequenos furtos para sobreviverem são marcas registradas da dupla belga em seus filmes de excluídos que vagam pelas ruas.

O rigor profundo de uma estética que aborda com virilidade e violência são novamente reafirmações dos longas anteriores, tais como: Rosetta (1999) grande vencedor de Cannes daquele ano, O Filho (2002), A Criança (2005) também vencedor do Palma de Ouro e O Silêncio de Lorna (2008), para muitos o melhor de sua notável filmografia, na extraordinária abordagem de drogadição e gravidez psicológica. O Garoto da Bicicleta tem por tema um menino de 12 anos, que busca desesperadamente encontrar seu pai que o abandonou há um mês num orfanato. Cyril (Thomas Doret) não é nada dócil, tem um comportamento com sérios desvios de conduta, torna-se agressivo ao ser rejeitado definitivamente pelo pai ausente, que só quer se livrar dele e reconstruir com outra mulher uma nova família.

Cyril encarna o protótipo do estorvo e da incomodação ambulante, mas tem sorte e é adotado temporariamente pela cabeleireira Samantha (Cécile de France- de muito boa atuação, harmonizada com sua beleza encantadora. Estrelou em Irène (2002) e Além da Vida (2009). Nem mesmo o amor da adotante para acalmar a raiva do garoto é suficiente e sua vida vira de pernas para o ar, perdendo até o namorado. É o filme mais leve dos Irmãos Dardenne, onde a esperança está presente num roteiro que não afasta o otimismo de um futuro que poderá ser melhor. Mas para se chegar até lá, há uma relação tumultuada e conturbada de dois seres que estão numa busca incessante da felicidade. Não faltam momentos altos, seguidos de deslizes frequentes e perturbadores da serenidade.

O abandono paternal é a grande causa proposta na película, deixando como consequência a cooptação na rua pelos marginais e traficantes que rondam uma presa fácil de ser fisgada. A raiva e a insubordinação aliadas à falta de pulso e limites da mãe adotiva são questionadas e colocadas em xeque para serem debatidas amplamente. O longa não é um filme tão formal como os anteriores, mas ainda assim abocanhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes deste ano. Mesmo que chamado de alegrinho e mais livre, não foge da temática e sua reflexão é profunda, deixando o rigorismo desta vez de fora, mais comedido e relativamente clássico, porém sem se afastar de seu histórico coerente, consegue mesclar novos elementos como o perdão e a compaixão.

Longe de filigranas e emoção superficial, deixa o espectador à vontade para pensar e refletir, tirando conclusões esperançosas neste bom longa minimalista de aparente simplicidade e leveza, mas nada fácil se for observado o tema do abandono e a dor do relacionamento entre pais e filhos. Um estudo elegante numa construção de personagens com suas feridas abertas de um emocional rompido da desintegração familiar e como metáfora da sociedade. Mas a esperança é plantada e cultivada.

Nenhum comentário: