quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mostra de Cinema São Paulo (Veneza)



Veneza

Um filme vindo da Polônia sempre é bom conferir de perto, pois os resultados quase sempre são satisfatórios e dificilmente frustram. Foi o que aconteceu com Veneza, um drama de guerra mesclado com fábula moderna adulta, num resultado simplesmente fabuloso. A direção foi do surpreendente Jan Jakumb Kolski. É dele também os outros dois longas-metragens Grajacy z Talerza (1995) e Pornografia (2003). O cineasta brilha neste magnífico Veneza, entrando para o clube dos cineastas críticos ferrenhos do morticínio da 2ª. Guerra Mundial, onde estiveram envolvidos regionalmente os países da Polônia, Itália, Alemanha e a Rússia. Evidentemente que o viés é polonês, mas as consequências para seu país que foi invadido foram as piores possíveis.

Recentemente veio o extraordinário Katyn (2007), filme polonês de Andrzej Wajda, numa antológica reflexão também sobre a 2ª. Guerra Mundial, em que são mostradas as atrocidades contra seu povo na invasão da Rússia em 1939, quando estava aliada ao governo nazista da Alemanha. Há o lamentável massacre dos polacos nas florestas daquela cidade. Morreram 15.000 prisioneiros de guerra poloneses, embora haja informações extraoficiais de 25.000. Essas atrocidades bárbaras foram comandadas pela polícia secreta soviética.

Veneza surpreende e encanta o espectador pelo seu roteiro em forma de guerra como fábula moderna como visto no longa Terra Sonâmbula (2009), dirigido pela brasileira, radicada em Moçambique, Teresa Prata. São abordados os caminhos de um simbólico ônibus ardendo em chamas numa estrada perdida, tendo na escavação pelas próprias mãos de um menino o milagre de brotar água por enxurradas, levando para o mar e purificando aquele país miserável de perdidos num mundo sem segurança. Finalizando com o ônibus boiando num rio imaginário até o navio que se encontra aquela mãe aprisionada nos diários da revolução civil. Kolski tem no garoto Marek de 11 anos seu sonhador, que só pensa em ir para Veneza e passar o carnaval dentro das gôndolas ouvindo piano e violino. Mas novamente a guerra entra na vida de uma criança e estraga as fantasias infantis com seu poder bélico ultrajante e arrebatador da desconstrução familiar, repleta de mortes absurdas e abjetas, sem o menor sentido da existência humana. O garoto acaba parando na casa antiga e obsoleta de uma tia no interior da Polônia, ao invés de ir para a mítica cidade italiana tão sonhada. Reencontra lá suas primas e o irmão que vai posteriormente, bem como outras tias e a avó sempre calada, num espécie de refúgio das artilharias dos inimigos invasores, mas que logo aparecerão para humilhar e mostrar seu poder de força dominante ocupacional.

Kolski faz lembrar voluntária ou involuntariamente o filme Terra Trêmula, quando dá vazão ao seu instinto criança e deixa o roteiro abrir uma fenda no porão da casa e inundá-la. Ali se estabelece a tão sonhada versão de Veneza para Marek. As tias realizam o sonho do sobrinho e tocam piano, usam máscaras no carnaval veneziano, há o violino do coleguinha vizinho, tragicamente desaparecido depois. As mortes se sucedem pela guerra sem escrúpulos, mas Marek quer mesmo é que a mãe lhe ame tanto quanto o irmão e seja mais presente, pois o pai foi lutar e dificilmente voltará.

Um libelo contra a guerra neste singular filme da Polônia em que o cineasta coloca sutilmente, ao som de um piano melancólico, a derradeira cena dos horrores repugnantes de uma carnificina. Eis um longa-metragem imperdível que irá para a cinematografia desta revelação como diretor antibelicista, que com toda sua classe e visão crítica de seu povo, realiza esta mini obra-prima cinematográfica. Insere-se como um dos melhores filmes da 35ª. Mostra de Cinema de São Paulo deste ano.

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