quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Mostra de Cinema São Paulo (Hanezu)
















Hanezu

O longa-metragem Hanezu trata fundamentalmente dos primórdios da civilização japonesa, onde as escavações existentes estão à procura de uma amostragem fiel da história deste povo. Os três montes em disputa na região de Azuka como é relatado na película demonstram o conflito secular, ou como é informado, desde os tempos dos deuses há a batalha dos homens pelas mulheres, enfatizado várias vezes para ficar celebrizado. Uma arqueologia que busca significados e razões existenciais.

A metáfora do pássaro engaiolado sem procriar, enquanto os livres estão reproduzindo e felizes, diante do quadro de dor da jovem que recém abortou, presa aos seus dogmas de vida. O aborto é o símbolo da rejeição à criança que não é bem-vinda. O conflito com o namorado e pai do feto é interessante, pois ao mesmo tempo soa em seus ouvidos a disputa dos homens e suas propostas diferentes, tal qual está vivenciando, pois está conflitada no momento de escolha, dúvida e dor.

Mas a película tem grandes momentos marcantes, como a presença constante dos espíritos em diversas cenas, simbolizadas pelo soldado que morre ao ir para a guerra e faz contato direto com belos diálogos elucidativos com seu filho na floresta e o neto na estrada. As presenças são normais e não constrange. Tudo é muito natural e não há histeria ou medo, pois são recepcionados com amor e prazer. É dedicado explicitamente nas legendas aos espíritos que pululam os montes das escavações, símbolo da austeridade e das disputas ancestrais. Os sussuros se fazem presentes nos insetos e inundam os nossos controles auditivos de percepção.

O longa traz no seu bojo um enorme e magnífico sentimento de gratidão aos mortos do passado e encanta pelo seu grau elevado do sensorial aguçado. Uma proposta corajosa de mostrar o transcendental e o espiritual como naturalidade. Lembra o recente filme Tio Boonmie, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), de Apichatpong Weerasethakul, que se atrapalhou nos equívocos de roteiro, embora tenha o bizarro longa da Tailândia vencido o Festival de Cannes daquele ano.

Mas em Hanezu o sensorial está presente de forma harmônica, singela e bela num perfeito casamento com a espiritualidade que transcende os padrões dogmáticos de comportamentos regrados pelo conservadorismo exacerbado. Há vida e sentimento de amor e prazer nas frondosas árvores das florestas, nas águas dos córregos e rios, na terra em sua imensidão, no acasalamento dos pássaros e o nascimento dos filhotes. Contrario sensu do reino animal, há a morte induzida de uma vida humana que ficou no meio do caminho.

A diretora Naomi Kawase tem em sua filmografia os longas-metragens Shara (2000), Birth/Mother (2006) e A Floresta dos Lamentos (2007). É muito cuidadosa e artesanal na condução da trama, embora com uma leveza documental, faz o espectador mergulhar e ficar inebriado pelas sensações saborosas tiradas da natureza. Não hesita em misturar aborto com nascimento, rejeição com amor entre seres de espécies diferentes.

Vida e morte estão presentes como essência dos animais racionais e irracionais. A natureza está em tudo, nos melhores e piores momentos da humanidade e em todos do reino animal. Ou dando significado aos mortais numa contingência natural das coisas, ou elementos do mesmo universo, como atores da vida e sua existência do mundo. Um choque do presente e do passado. Eis um saboroso filme para ser degustado e sorvido, com uma boa dose reflexiva após o apagar das luzes da tela.

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